Chegamos à sexta semana do ONAS-Covid19 com a triste marca de 10 mil mortes pela infecção do novo coronavírus (Sars-Cov-2) no Brasil. Já são mais de 155 mil casos confirmados, sem considerar a subnotificação. São dados da atualização de 09.05 que registram também outra triste realidade: mais de 700 mortes adicionais contabilizadas nas 24 horas anteriores à atualização. Segundo país com maior número de mortes diárias, o Brasil já é sexto país em número de mortes acumuladas. Os números são devastadores por si só, mas mesmo assim parece não surtir muita empatia por parte de algumas pessoas e até mesmo de parte da classe política. Mesmo com esses números, alguns ainda defendem que seria melhor não fazer nada para evitar a expansão do vírus e que algumas mortes são mesmo esperadas.
Algumas análises sobre a critica às medidas de isolamento social no combate à Covid-19 atribuem essa postura a um “darwinismo social”, pois haveria uma defesa implícita de uma seleção natural. Fundamentado na hipótese de imunização de rebanho e também devido à incidência maior de mortes entre os idosos e aqueles com doenças pré-existentes, tais mortes seriam inevitáveis e serviriam a um bem maior coletivo de imunização natural. Mas muito antes de Darwin (que publica sua “Origem das Espécies em 1859), Thomas Malthus publicou seu “Ensaio sobre o princípio da população“, em 1798. Ele é famoso pela sua “teoria populacional” e que muitos devem se lembrar pela sedutora relação entre crescimento exponencial da população versus o limitado crescimento aritmético da produção.
O fato é que esse é apenas o postulado inicial da sua análise. Menos difundidas são as suas justificativas e proposições derivadas dessa constatação: para ele se não houver obstáculos, a população cresceria numa razão muito maior que a capacidade de produzir alimentos e as sociedades entrariam em colapso. Para ele, dois tipos de obstáculos existiam: os positivos e os preventivos. Resumiremos os primeiros, pois os preventivos foram acrescentados em edições posteriores à publicação do seu primeiro ensaio.
Malthus considerava como obstáculos positivos as guerras, epidemias e a miséria. Seriam mecanismos naturais de controle ao crescimento desordenado e perigoso da população. Para ele, esses controles naturais ao crescimento da população não deveriam sofrer intervenções dos governos. Mesmo no caso das epidemias e doenças avassaladoras, seria recomendável impedir ações para redução da mortalidade, pois estariam enganados os governantes que achassem isso uma ação benevolente. Afinal, sem os controles positivos, o ritmo do crescimento da população seria muito superior à capacidade da produção de alimentos e da riqueza. Para Malthus, ao contrário do que parece, deixar que a mortalidade aja naturalmente para reduzir a população seria uma ação positiva para o conjunto da sociedade, pois permitira menor pressão pelos recursos posteriormente.
No que se refere à pobreza e à miséria, Malthus é convicto: qualquer lei de amparo aos mais pobres pode parecer ser uma ajuda individual caridosa e válida, mas traz um prejuízo social muito maior (“Sobre a lei de amparo aos pobres”, 1803). Para ele, quanto mais se ajuda a sobrevivência dos mais pobres, mais esse grupo populacional tende a crescer. Além disso, esses ganhos monetários (que seriam artificiais, não merecidos) causariam o aumento do consumo, principalmente em futilidades e vícios. Os dois movimentos em conjunto seriam prejudiciais para a sociedade como um todo, pois agravaria qualquer situação de escassez diante de um aumento populacional.
Caberia um texto mais longo para aprofundar esse debate. Os textos de Malthus detalham esses argumentos e colocam, em muitas vezes, julgamentos morais sobre a vida cotidiana dos mais pobres. Deixamos aqui a sugestão de leitura para aqueles que quiserem saber mais. Com certeza, poderão perceber nos textos de Malthus algumas ideias que ainda permeiam os discursos e até ações de alguns políticos. Talvez propor um churrasco seja o sinal mais claro de que não há com que se preocupar em vista das 10.627 mortes acumuladas em 55 dias desde a primeira ocorrência. Média de quase 200 mortes por dia. Média de 8 mortes por hora. Ou ainda que seria mais importante salvar os CNPJs do que pessoas.
SZMRECSÁNYI, Tamás. (org.) Thomas Robert Malthus. Coleção Grandes Cientistas Sociais. nº 24, São Paulo: Ática, 1982.
Na semana entre 04.05 e 10.05 publicamos cinco análises no ONAS-Covid19. Duas delas trataram das medidas de distanciamento social e mostraram como há uma tendência negativa e perigosa para o avanço da Covid-19 tanto na região Nordeste como dentro dos bairros de Natal. O texto que abriu a semana foi para mostrar que há efeitos da estrutura de idades de uma população sobre as taxas de mortalidade e, se considerarmos essa diferença, as condições de mortalidade mais críticas recaem sobre as regiões Norte e Nordeste do país. Os dados da mortalidade foram temas de análise também; comparando duas fontes de dados distintas e a tendência da qualidade dos dados no Brasil, fica evidente que a Covid-19 é uma doença que afeta também as nossas estruturas de dados. Por fim, fizemos também uma análise sobre o perfil das empregadas domésticas informais, ocupação de grande vulnerabilidade acumulada por gerações e sobre as quais recai mais uma: a Covid-19.
Editorial | 10.05.2020 | Ricardo Ojima | Coordenador do ONAS-Covid19 | Programa de Pós-Graduação em Demografia | Universidade Federal do Rio Grande do Norte | Covid-19, 10 mil mortes e Malthus
Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19] https://demografiaufrn.net/onas-covid19
Excelente editorial! A prática do “Darwinismo social” está implícita nas declarações do ocupante do Palácio do Planalto e do Ministro da Saúde. Além disso, também observamos esse comportamento, até de maneira mais efetiva, quando setores mais abastados da pirâmide social organizam carreatas contra o isolamento social.
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