Recentemente, vimos algumas declarações de lideranças políticas defendendo a flexibilização das medidas de isolamento social. Desde a declaração do presidente que minimiza o impacto das atividades escolares na expansão das contaminações até a sugestão de que seja necessário que o vírus viaje um pouco, dada pelo governador do Estado de Minas Gerais, os argumentos defendendo a abertura dos serviços não essenciais ganha força entre os políticos e uma parcela da população. A defesa não é explicita, mas segue-se a lógica que alguns países Europeus e os EUA adotaram inicialmente no combate ao coronavirus e que logo foi abandonada. A ideia é não tomar medidas drásticas de isolamento social para que a maior parte da população se contamine, pois com isso essa população se tornaria imunizada rapidamente e de modo natural.

Da mesma forma como ocorre com a vacinação. Quando uma parcela da população é imunizada, mesmo aqueles que não são vacinados se beneficiam. Afinal, se muitas pessoas estão imunes, a doença reduz sua circulação e mesmo quem não for vacinado está protegido. É essa a lógica que inspira os adeptos do movimento anti-vacina. Além deles se basearem em informações falsas e distorcidas para justificar reações adversas das vacinas ou conspirações governamentais nas campanhas de vacinação, estes grupos justificam que nunca ficaram doentes mesmo não tendo sido vacinados. Portanto, comprovariam a eficácia da sua posição.
Segundo dados do Ministério da Saúde, a meta de se atingir 95% da população-alvo nas campanhas de vacinação não vem sendo atingida nos últimos anos. A Tetra Viral (contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela) teve uma das coberturas mais baixas (70%) apesar de ser uma das mais importantes e haver campanha nacional. Não a toa, devido a essa baixa imunização dos últimos anos, temos apresentado no país o resgate de surtos de doenças que há muito tempo estavam controladas, entre elas o Sarampo.
Esse efeito de imunização coletivo é chamado de “imunidade de grupo” e os epidemiologistas conseguem avaliar qual a proporção de pessoas seria suficiente para atingir uma imunização coletiva. Mas no caso da Covid-19, isso não se aplica. Seria necessário que a maior parte da população brasileira se contaminasse para que os demais estivessem protegidos pelo efeito da imunidade de grupo. Hipoteticamente, supondo que seja necessário atingir um patamar de 80% de imunizados para sentir os efeitos coletivos dessa imunização, o Brasil precisaria atingir cerca de 168 milhões de casos de Covid-19. Se esse número ocorresse de forma acelerada, considerando a taxa de letalidade atual (subestimada em 6,4%, pois ainda não atingimos o nível de saturação da capacidade do sistema de saúde) teríamos, hipoteticamente 10,7 milhões de mortes.
E se morressem quase 11 milhões de pessoas nos próximos meses, será que a economia não entraria em colapso de toda forma?
A estratégia de deixar o vírus “viajar um pouco” pode até funcionar para que a epidemia acabe mais rápido, mas o preço dessa estratégia seria algo superior a 10,7 milhões de vidas no Brasil, pois de certo a taxa de letalidade será muito maior se tivermos quase 170 milhões de infectados simultaneamente pressionando o sistema de saúde nos próximos meses. Ressalta-se que aproximadamente 8 milhões dessas mortes seriam de pessoas com mais de 60 anos. As estimativas populacionais para 2020 são de que temos 29,2 milhões de pessoas nesse grupo de idade, portanto, com essa estratégia morreria 1 em cada 3 pessoas com mais de 60 anos nos próximos meses para que a nossa economia não pare de rodar. Se você não tem mais de 60 anos, quantas pessoas você conhece com mais de 60 anos de idade? E se morressem quase 11 milhões de pessoas nos próximos meses (sem descontar as outras causas de morte que continuam ocorrendo) será que a economia não entraria em colapso de toda forma?
Essa semana, o ONAS-Covid19 publicou 5 textos de análise sociodemográfica. Discutimos a importância de se considerar a subnotificação dos casos confirmados e como isso afeta as estratégias e ações políticas. Também apresentamos considerações acerca da falácia que pode ser analisar o indicador de densidade demográfica sem levar em conta o recorte espacial adequado e como isso pode distorcer nossa percepção. No dia 15.04 foi a vez de apresentarmos o perfil dos profissionais que atuam na área de serviços de saúde no Nordeste. Na maioria mulheres em ocupações das mais distintas e que desigualmente distribuídas no território. Na sexta (16), o texto em destaque foi para atualizar a análise dos dados de isolamento social a partir dos dados diários de localização do Google. E, ainda, reapresentamos um resumo dos textos que argumentam sobre a importância de se manter a suspensão das atividades escolares.
Por último, mas não menos importante, publicamos a colaboração artística de uma pesquisadora egressa do Programa de Pós-Graduação em Demografia da UFRN. Com o cordel “Mulheres em Home Office em Tempos de Covid-19“, Mara Aguirre se inspira em dois textos de análise sociodemográfica do ONAS-Covid19 para uma provocação artística que muito abrilhantou nossa semana. E assim completamos três semanas de isolamento. Todos juntos, mas separados!
Editorial | 19.04.2020 | Ricardo Ojima | Coordenador do ONAS-Covid19 | Programa de Pós-Graduação em Demografia | Universidade Federal do Rio Grande do Norte | A pandemia, o movimento anti-vacina e o “preço”
Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19] https://demografiaufrn.net/onas-covid19