O risco de mortalidade por microrregiões e o efeito da composição etária no contexto da Covid-19

A distribuição das mortes por Covid-19 por idade mostra um gradiente considerável e bastante similar ao observado nas idades e nas taxas de mortalidade geral. Em outras palavras, é importante reconhecer que a taxa de mortalidade do Covid-19 aumenta com a idade das pessoas e o número de óbitos pode ser mais elevado em localidades onde a população seja mais idosa [Goldstein, 2010]. Além disso, a Covid-19 parece ser mais perigosa para pessoas com piores condições de saúde. Dessa forma, é importante analisar, no Brasil e regiões, a distribuição espacial da mortalidade geral e avaliar os efeitos da estrutura etária e das taxas de mortalidade.

Nos primeiros momentos da epidemia a mortalidade esteve concentrada em locais onde foram registradas as primeiras infecções. Entretanto, ao longo do processo, entender o padrão espacial de mortalidade no Brasil pode ajudar a mitigar possíveis cenários sobre os diferenciais regionais de mortalidade por Covid-19 nos próximos meses.

Os riscos de morte estão relacionados, em grande parte, a estrutura etária da população, condições gerais de saúde e situação socioeconômica a que a população está exposta. Essa análise é fundamental no caso do Brasil, um país marcado por grandes diferenças socioeconômicas até mesmo entre áreas menores de uma mesma região ou estado.

As regiões do Brasil apresentam grandes diferenças na composição etária. Em 2018, cerca de 10% da população brasileira tinha acima de 65 anos de idade, mas a variação entre Unidades da Federação pode ir de 13% no Rio Grande do Sul até 7% no Mato Grosso. Diante dessa heterogeneidade na distribuição etária entre populações, a taxa bruta de mortalidade em uma região “A” pode ser maior que na região “B” só porque a estrutura etária na região “A” é mais envelhecida, já que o risco de morte aumenta com a idade. Nestes casos, a comparação das taxas entre “A” e “B” só é possível se eliminarmos os efeitos dos diferenciais de estrutura etária entre as duas populações antes de calcularmos as taxas brutas de mortalidade. Isso significa dizer que comparar diretamente as taxas de mortalidade de um estado com o outro pode conter um efeito que não é somente da mortalidade, mas principalmente do quão envelhecida essa população é.

Apresentamos, em primeiro lugar, uma análise do padrão espacial da mortalidade no Brasil com base nos dados de 2018. Isto é importante, pois há diferentes intensidades de avanços e graus de transmissão por Covid-19 entre estados. E as regiões com maiores riscos de mortalidade geral são mais prováveis de experimentarem também as mortes por Covid-19 e, portanto, nos servirá como um parâmetro de comparação. Para isso, calculamos as Taxas Brutas de Mortalidade (TBM) para cada microrregião do Brasil de duas formas: uma TBM considerando a estrutura etária populacional da microrregião e outra TBM eliminando o efeito da estrutura etária da população. A subtração da TBM com efeito da estrutura etária pela TBM sem o efeito da estrutura etária resulta no que chamamos de “efeito idade” nos diferenciais de mortalidade entre as microrregiões. Ou seja, seria uma medida que ajudaria a entender quanto do perfil de envelhecimento de uma região afeta os níveis de mortalidade.

A Figura 1 mostra o efeito idade no eixo-y e o percentual da população idosa (acima de 65 anos) no eixo-x para as microrregiões do Brasil (cada pontinho colorido considerando a sua localização por grande região). As microrregiões acima da linha vermelha, com valores positivos para o efeito idade, tem estrutura etária mais envelhecida do que a média do Brasil. O efeito positivo indica que a Taxa Bruta de Mortalidade dessas microrregiões seria menor se sua estrutura etária populacional fosse igual à do Brasil como um todo. Estas microrregiões estão concentradas nas regiões Sudeste e Sul e uma boa parte na região Nordeste. As microrregiões abaixo da linha tracejada, apresentam estruturas etárias mais jovens que a média do Brasil e, portanto, apresentam um efeito negativo de idade. Ou seja, essas localidades que parecem ter um número menor de óbitos, pela TBM, na verdade podem ter níveis mais elevados se isolarmos o efeito de composição etária.

Figura 1 – Comparativo da Estrutura Etária e Taxas de Mortalidade nas Microrregiões Brasileiras, 2018. Fonte: Dados de mortalidade do Datasus/MS-2018. Dados de população: FREIRE, F.H.M.A; GONZAGA, M.R; QUEIROZ, B.L. Projeção populacional municipal com estimadores bayesianos, Brasil 2010 – 2030. In: Sawyer, D.O (coord.).  Seguridade Social Municipais. Projeto Brasil 3 Tempos. Secretaria  Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/SG/PR) , United Nations Development Programme, Brazil (UNDP) and International Policy  Centre for Inclusive Growth. Brasília (IPC-IG), 2019.

No Mapa 1, apresentamos as taxas brutas de mortalidade por microrregião sem a eliminação do efeito da estrutura etária. Como essa taxa bruta é uma taxa geral, soma dos óbitos em 2018 dividido pela população total no meio do ano, ela carrega o efeito de estrutura etária que interfere nos resultados para fins de comparação direta. Afinal, uma região com população mais jovem pode ter, no total, menos óbitos justamente porque um contingente significativo da população dessa região ainda não chegou nas idades mais expostas ao risco de mortalidade. Isso fica evidenciado no Mapa 1 onde boa parte do Nordeste, Norte e Centro-Oeste têm taxas brutas de mortalidade menores do que o restante do país.

Mapa 1 – Taxas Brutas de Mortalidade com efeito da estrutura etária nas Microrregiões brasileiras, 2018. Fonte: Dados de mortalidade do Datasus/MS-2018. Dados de população: FREIRE, F.H.M.A; GONZAGA, M.R; QUEIROZ, B.L. Projeção populacional municipal com estimadores bayesianos, Brasil 2010 – 2030. In: Sawyer, D.O (coord.).  Seguridade Social Municipais. Projeto Brasil 3 Tempos. Secretaria  Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/SG/PR) , United Nations Development Programme, Brazil (UNDP) and International Policy  Centre for Inclusive Growth. Brasília (IPC-IG), 2019.

O Mapa 2 apresenta as taxas brutas de mortalidade por microrregiões com a eliminação do efeito da estrutura etária. No Norte e Nordeste os níveis de mortalidade geral são mais elevados e são essas as taxas que deveriam ser consideradas para uma análise e comparação do nível de mortalidade. Cabe ressaltar que, tantos as taxas brutas de mortalidade com efeito da estrutura etária (mapa 1), quanto as taxas padronizadas sem efeito da estrutura etária (mapa 2), passaram por tratamento metodológico para correção do subregistro de mortes. Isso porque não é uma exclusividade da Covid-19 a existência de subnotificação de casos e a literatura científica não só reconhece níveis de dificuldades de se registrar todos os casos de óbitos ocorridos, mas também existem métodos e técnicas que permitem corrigir esse problema.

Mapa 2 – Taxas Brutas de Mortalidade sem efeito da estrutura etária nas Microrregiões brasileiras, 2018. Fonte: Dados de mortalidade do Datasus/MS-2018. Dados de população: FREIRE, F.H.M.A; GONZAGA, M.R; QUEIROZ, B.L. Projeção populacional municipal com estimadores bayesianos, Brasil 2010 – 2030. In: Sawyer, D.O (coord.).  Seguridade Social Municipais. Projeto Brasil 3 Tempos. Secretaria  Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/SG/PR) , United Nations Development Programme, Brazil (UNDP) and International Policy  Centre for Inclusive Growth. Brasília (IPC-IG), 2019

Os resultados apresentados no Mapa 2 indicam as regiões com potencial aumento no número de óbitos por COVID-19 quando eliminamos efeito de uma estrutura etária mais envelhecida. Observa-se que a quase totalidade das microrregiões do Norte e uma boa parte das microrregiões do Nordeste aparecem, agora, em desvantagem quanto ao risco geral de mortalidade em comparação com as microrregiões do Sudeste e Sul do País. Esses são pontos importantes a serem considerados no enfrentamento da Covid-19, doença que tem maior gravidade em população mais idosa. Mesmo com uma estrutura etária menos envelhecida, muitas localidades do Norte e Nordeste apresentam maiores taxas de mortalidade geral.

Este cenário, aliado com o enfraquecimento das medidas de enfretamento da pandemia, tal como aquelas indicadas pela OMS, são elementos que precisam ser considerados na mitigação de possíveis cenários futuros de curto e médio prazo para os impactos regionais desta pandemia. Áreas que, mesmo antes da pandemia já apresentavam maiores riscos de mortalidade geral, não contavam com uma boa infraestrutura de saúde, boa parte da população necessita do auxílio emergencial do governo, com proporção considerável de idosos com alguma comorbidade e que estão flexibilizando as medidas de isolamentos social, sobretudo no momento de maior velocidade de espraiamento da pandemia, estão expostas a maiores riscos de colapso no sistema de saúde e podem apresentar um aumento considerável no números de mortes pelo Covid-19.

Bernardo Lanza Queiroz – Demógrafo, professor do Departamento de Demografia e do Programa de Pós-Graduação em Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Flávio Henrique Miranda de Araujo Freire – Demógrafo, professor do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Everton Emanuel Campos de LimaDemógrafo, professor do Departamento de Demografia e do Programa de Pós-Graduação em Demografia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Marcos Roberto Gonzaga – Demógrafo, professor do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19] https://demografiaufrn.net/onas-covid19

3 comentários sobre “O risco de mortalidade por microrregiões e o efeito da composição etária no contexto da Covid-19

  1. Gostaria de saber qual foi o padrão utilizado, pois isto afeta as taxas padronizadas? Foi a estrutura etária do Brasil, que é mais envelhecida comparada às do Norte e Nordeste e mais jovem se comparada às do Sul e Sudeste? Também gostaria que comentassem sobre “eliminar o efeito da estrutura etária” com a taxa padronizada. De fato, entendo que a padronização não “elimina” o efeito da estrutura etária, somente controla para motivos de comparação entre as diferentes localidades, mas depende da estrutura padrão escolhida. Assim, a taxa de mortalidade geral padronizada serve somente para efeitos de comparação entre localidades, mas não é real.

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    1. Prezado/a @scavenaghi. Encaminhamos seu comentário aos autores e a informação é que a população padrão utilizada foi a do Brasil. Os mesmos afirmaram ter conhecimento das técnicas de padronização de taxas, entretanto, diante da natureza de divulgação científica proposto pelo texto, evitou-se entrar em maiores desenvolvimentos que, no entendimento dos autores, caberia ao público especializado. Caso os leitores desejem ter uma visão mais minuciosa das técnicas de padronização e algumas de suas nuances, podem consultar a publicação “Introdução a alguns conceitos básicos de medidas em demografia”, editada pela Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), no link: https://bit.ly/3eAMkWM. Agradecemos a sua colaboração. Atenciosamente.

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