Expectativa de vida ao nascer no RN em 2020 poderia ter sido 1,86 anos maior sem mortes por SRAG

Em maio de 2020 publicamos aqui no ONAS uma análise do impacto que as mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) poderiam representar em termos de perda de tempo na expectativa de vida no RN. A expectativa de vida ao nascer de uma população é um indicador demográfico que, grosso modo, avalia o nível da mortalidade de uma determinada região. De modo simplificado, trata-se de uma média de anos esperados de vida que uma criança nascida em determinada localidade teria caso as taxas de mortalidade presentes se mantivessem no futuro. Como fizemos no texto de maio de 2020, realizaremos aqui uma análise em que comparamos as diferenças na expectativa de vida da população considerando dois cenários: o primeiro é a expectativa de vida baseada nos dados do total dos óbitos registrados e o segundo levando em conta a exclusão das mortes por SRAG. Assim, analisaremos os anos de vida que teriam sido ganhos na expectativa de vida caso pudéssemos ter evitado as mortes por SRAG.

E por que usamos as mortes decorrentes de SRAG? Como já apresentamos em análises anteriores, existe um elevado grau de subnotificação nos casos e mortes por Covid-19 no Brasil (e também no mundo) decorrente da ausência de testes e da pressão sobre o sistema de saúde. A SRAG é a doença respiratória causada por vírus gripais, entre eles o novo coronavírus (Sars-CoV-2) que é a principal virose registrada entre as internações e os óbitos no ano de 2020. Segundo os dados do Infogripe/Fiocruz, o SARS-CoV-2 foi responsável por 99,3% das mortes com resultado laboratorial positivo para algum vírus respiratório no ano de 2020. A SRAG segue uma definição padronizada, inclusive em registros internacionais, estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e considera os casos de mortes onde são identificados os sintomas: Febre, Tosse e Dificuldade Respiratória. Isso significa, portanto, que praticamente todos os óbitos por SRAG registrados em 2020 tiveram como causador o novo coronavírus.

Por essa razão, a nossa análise compara a expectativa de vida que seria observada para o ano de 2020 e a mesma medida, caso pudéssemos ter excluído as mortes por SRAG. É um exercício teórico que nos permite entender o impacto de uma determinada causa de morte sobre a mortalidade geral de uma população. Os dados básicos foram obtidos na Central de Informações do Registro Civil (CRC) que são atualizados diariamente no Portal da Transparência (Painel Covid Registral) e mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen). Como já analisamos anteriormente, os registros cartoriais de óbitos diferem dos registros provenientes do Ministério da Saúde por características do tipo de registro e permitem analises distintas e são complementares.

De acordo com o Gráfico 1, as Unidades da Federação nordestinas que apresentaram os maiores ganhos na expectativa de vida ao nascer com a exclusão da SRAG foram Ceará, Pernambuco e Maranhão, com ganhos de 2,65, 2,33 e 2,28 anos, respectivamente. Isso quer dizer que se fossem excluídos os óbitos por SRAG de 2020 no Ceará, por exemplo, a expectativa de vida poderia ser 2,65 anos maior. O Rio Grande do Norte, com 1,86 anos, se encontra em posição intermediária e apresenta uma diferença de anos ganhos pela exclusão da SRAG que está abaixo da média do Brasil e, no Nordeste, perde apenas para Paraíba, Bahia e Piaui.

Gráfico 1 – Ganho na expectativa de vida ao nascer (em anos) se excluídos os óbitos por SRAG, 2020. Fonte dos dados básicos: Painel Covid Registral

Embora o indicador mais usado seja a expectativa de vida ao nascer, é possível estimar a expectativa de vida para todas as idades exatas das pessoas. Ou seja, muitas vezes confundimos o termo “expectativa de vida” com a sua expressão mais comum que seria a “expectativa de vida à idade exata de zero anos (ao nascer)”. No quadro geral, o Brasil apresentou um ganho com a exclusão da SRAG de 2,6% no valor da expectativa de vida ao nascer, enquanto o NE, 2,53%. Mas ao verificarmos esse ganho na expectativa de vida em cada idade, nota-se que esse ganho é decrescente, o que já é esperado. No entanto, se consideramos o ganho proporcional na expectativa de vida em cada idade, verifica-se que os maiores ganhos percentuais ocorrem nas idades mais avançadas, conforme Gráfico 2. Percebe-se, por exemplo, que seria de quase 10% o ganho na expectativa de sobrevida da população com a idade de 60 anos no estado do Ceará se excluíssemos as mortes por SRAG.

No caso do RN, as pessoas com 60 anos de idade teriam ganho 6,3% de tempo de vida com a exclusão da SRAG. Ou seja, para uma pessoa que tivesse chegado aos 60 anos de idade em 2020 no Rio Grande do Norte era esperado que ela vivesse até os 86 anos se pudéssemos ter excluído todas as mortes por SRAG, mas como isso não ocorreu, a expectativa de vida à idade exata de 60 anos no RN em 2020 cairia para 84,5 anos. Portanto, a SRAG contribuiu com uma perda de um ano e meio na vida do potiguar que tinha 60 anos em 2020.

Em termos proporcionais, os maiores ganhos com a exclusão da SRAG em termos de anos da expectativa de vida seriam nas idades mais avançadas. Isso se deve ao fato de que os grupos de maior risco para o desenvolvimento de quadros graves da Covid-19 serem entre os mais idosos. Os gráficos com os ganhos proporcionais e em anos para cada idade para as UFs do Nordeste estão disponíveis ao final do texto.

Gráfico 2 – Ganho na expectativa de vida (em %) por idade se excluídos os óbitos por SRAG, 2020. Fonte dos dados básicos: Painel Covid Registral

Um estudo publicado pela demógrafa Ana Amélia Camarano demostra que essa perda de anos vividos entre os mais idosos tem consequências que vão além da perda de vidas. O artigo simula cenários da perda da renda decorrente da mortalidade precoce desses idosos, pois entre as camadas mais pobres da população, o rendimento proveniente de aposentadorias, pensões e outros benefícios para idosos corresponde a uma importante parcela dos rendimentos das famílias. Em uma conjuntura econômica desfavorável para o emprego formal, esses rendimentos se tornam mais relevantes ainda. A pandemia da Covid-19 iniciou o ano de 2021 com um quadro mais grave do que o observado em 2020 inteiro. Em algumas regiões, as mortes desses dois primeiros meses somam valores próximos ao acumulado de 2020 inteiro. Vidas não tem preço, mas os desdobramentos econômicos da manutenção de alta mortalidade por muitos meses aumenta as dificuldades financeiras da população e agravam as dificuldades que ainda precisaremos enfrentar na recuperação da economia geral.

Ricardo Ojima – Demógrafo, professor do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Victor Hugo Dias Diógenes – Demógrafo, professor do Departamento de Finanças e Contabilidade (DFC) da Universidade Federal da Paraiba (UFPB) e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

José Vilton Costa – Demógrafo, professor do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19] https://demografiaufrn.net/onas-covid19

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