Em publicações anteriores do nosso Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19 (ONAS-Covid19) apresentamos argumentos justificando a importância da suspensão das atividades escolares para ajudar a conter o avanço das contaminações da Covid-19. Os textos foram publicados nos dias 30/03 e 31/03 e podem ser encontrados no nosso Arquivo. Diante das recentes declarações do Presidente da República defendendo a volta às aulas, resumimos aqui os principais argumentos destes dois textos. Segundo reportagem do jornal O Globo, em declaração em frente ao Palácio da Alvorada, o presidente sugere que seja preciso retomar as aulas.
Sabemos dos pais que estão preocupados com os filhos voltarem à escola. Mas tem que voltar à escola, nós não temos nenhuma notícia de alguém abaixo de 10 anos de idade que contraiu o vírus e foi a óbito ou foi para a UTI
Embora os casos graves sejam, de fato, pouco reportados em crianças, não é verdade que não haja registros. A própria reportagem do Globo menciona essa informação. Mas mesmo que pudéssemos relativizar a afirmação de que crianças não correm risco de morte, não é verdade que elas sejam imunes à contaminação. O que pode ocorrer é que elas apresentem sintomas leves ou mesmo que não apresentem sintomas. Diante disso, o retorno às aulas pode acelerar a velocidade das contaminações nos demais grupos de idade, pois agrupando-se em salas de aula durante um período significativo do dia, poderiam retornar contaminadas para suas casas e, assim, contaminar os demais membros da família. Preocupando, particularmente, os grupos de risco (idosos, por exemplo).
O texto publicado aqui “Manter a suspensão das aulas é fundamental para conter a evolução dos casos de Covid-19“, alerta para o fato de que considerando apenas as crianças de 6 a 14 anos,
“No RN são quase 360 mil domicílios que estariam mais expostos à contaminação no caso das salas de aula se tornarem locais de contágio em massa. E é particularmente mais relevante o fato de que em 17,5% desses domicílios com crianças em idade escolar também residam idosos no RN, o principal grupo de risco.”
Além disso,
“Cerca de 12% dos domicílios com crianças em idade escolar possuem apenas um cômodo servindo permanentemente como dormitório, o que deixa evidente a impossibilidade física de isolamento dos moradores. São 43 mil domicílios no RN e cerca de 2,5 milhões de domicílios no Nordeste com essa característica.”
O outro texto, esse publicado no dia 31/03 no ONAS-Covid19, destaca que entre os estudantes da educação básica na região Nordeste, cerca de 3 milhões utilizavam transporte coletivo para o deslocamento para as aulas. Agravando, assim, o período de exposição à contaminação. O texto “Suspender as atividades escolares também diminui a circulação geral de pessoas“, ainda alerta para os mais de 620 mil docentes da educação básica no Nordeste que se exporiam o risco de contaminação. Sendo que uma parte deles ainda pode estar nos grupos de risco.
Diante desse breve resumo, pensar na retomada das aulas no momento em que a região Nordeste apresenta mais de 6,5 mil casos confirmados (21% do total do país) é muito perigoso. Afinal, quando a maioria dos decretos de suspensão das atividades escolares na região ocorreram, o número de casos ainda era muito baixo. De fato, há indícios que a suspensão das aulas possa ter contribuído para desacelerar o ritmo do avanço da Covid-19. Não é prudente que agora, depois de termos o novo coronavirus já presente em diversos municípios do Rio Grande do Norte, que se sugira contribuir com a aceleração dos casos diretamente (no caso das crianças expostas) e indiretamente (através das suas famílias).
Ricardo Ojima – Demógrafo, professor do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19] https://demografiaufrn.net/onas-covid19
Bom dia!
Acredito que o retorno às aulas, nesse momento, contraria não somente a ciência como também a lógica. A pandemia está numa curva crescente, ou seja, ainda não atingiu o momento crítico. O afrouxamento do isolamento social, no meu entender, só deveria ocorrer depois que a curva epidêmica estivesse em franco declínio.
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Obrigado pelo comentário, Alberto. É isso, talvez não seja viável ou necessário apertar mais ainda as medidas, mas com certeza, não faria muito sentido relaxar justamente agora.
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