Na frente de combate à Covid-19: quem e quantos são os profissionais de saúde no Nordeste?

Em meio à pandemia da Covid-19, em diversos locais do mundo, inclusive no Brasil, estão sendo feitas várias demonstrações de agradecimento aos profissionais que estão na chamada “linha de frente” do combate ao vírus. Apesar desse reconhecimento, ganhou repercussão, também no Brasil, o caso de um técnico de enfermagem que afirmou dormir no terraço para não infectar a mãe. Ele atua em uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) em Campina Grande, na Paraíba e recebe R$80 por um plantão de 12 horas.

Na linha de frente estão os profissionais de saúde, cuidando dos casos suspeitos e confirmados de Covid-19. A linha é composta por médicos, profissionais de enfermagem, fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais, técnicos de radiologia, técnicos de laboratório, técnicos de farmácia, entre outros. A atuação desses profissionais nos serviços de saúde, portanto, coloca-os em risco diariamente. Entretanto, há que se considerar que os serviços de atenção à saúde humana não são compostos apenas por esses profissionais, mas também por uma série de outras ocupações essenciais: recepcionistas, auxiliares de serviços gerais, copeiros de hospital, almoxarifes, auxiliar de lavanderia e limpeza, cozinheiros, coletores de resíduos, arquivistas, técnicos em nutrição e agentes funerários, para citar alguns.

Tais ocupações também apresentam riscos de contaminação devido à especificidade da atividade que realizam. Portanto, além da linha de frente formada pelos profissionais de saúde, existem muitos outros brasileiros que se colocam em risco diariamente no combate a essa pandemia e que, muitas vezes, ficam na invisibilidade.

Mas, afinal, quem está em exposição à Covid-19 diariamente na região do Nordeste? Qual o tamanho desse grupo? Quem está em maior risco? Para responder a essa e outras perguntas, recorremos aos dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2017 (RAIS). Assim, identificaram-se os trabalhadores vinculados a estabelecimentos de atividades de atenção à saúde humana que compreendem as atividades de hospitais gerais ou especializados, hospitais psiquiátricos, centros de medicina preventiva, consultórios médicos e dentários, clínicas médicas e outras atividades ambulatoriais”.

Havia no Nordeste 350 mil trabalhadores com vínculo ativo a algum estabelecimento de atenção à saúde humana, tanto público como privado. O mapa 1 mostra a distribuição desses trabalhadores para cada 100 mil habitantes, em cada estado do Nordeste. A maior oferta desses trabalhadores está em Sergipe, onde há 998 trabalhadores no setor de saúde para cada 100 mil moradores. A menor disponibilidade está no Maranhão, com apenas 359 trabalhadores para o mesmo montante populacional.

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Mapa 1 – Número de trabalhadores com vínculo ativo a algum estabelecimento de atenção à saúde humana a cada 100 mil habitantes, Nordeste, 2017 (350 mil trabalhadores). Fonte: RAIS, 2017.

Esses trabalhadores estavam distribuídos por 852 municípios distintos, sendo que cerca de metade deles (171 mil) estavam concentrados em apenas 5 municípios: Salvador (BA), Recife (PE), Fortaleza (CE), Teresina (PI) e Aracaju (SE), evidenciando o maior quantitativo de profissionais de saúde e rede de atenção à saúde nas capitais. Além disso, a grande maioria deles, 93%, eram trabalhadores com carteira assinada e apenas 5% eram servidores públicos.

Considerando que nos últimos dois anos anteriores à pandemia da Covid-19 não tivemos transformações significativas no sistema de saúde do Nordeste, 63,7% (221 mil profissionais do total de 350 mil) estariam realizando atividades que os expõe diretamente ao risco de contaminação por Covid-19. Esses profissionais possuem diversas ocupações, que são apresentadas no Gráfico 1.

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Gráfico 1 – Distribuição dos trabalhadores em exposição direta à possibilidade de contágio pela Covid-19 por tipo de ocupação (221 mil trabalhadores). Fonte: RAIS, 2017.

Nos serviços de apoio estão alocados 30 mil trabalhadores, entre profissionais de limpeza, copa/cozinha, lavanderia e almoxarifado. Os profissionais de enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares) somam 105 mil trabalhadores, representando 47% da força de trabalho em risco de contágio pela Covid-19. Segundo relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), essa situação não é exclusiva do Nordeste, pois esses profissionais representam mais da metade de todos os profissionais de saúde do mundo. O relatório aponta, ainda, que existe um déficit global de 5,9 milhões de profissionais de enfermagem – com as maiores lacunas encontradas em países da África, Sudeste Asiático e da região do Mediterrâneo Oriental (da OMS), além de algumas partes da América Latina.

Apesar de representarem o maior quantitativo de profissionais de saúde, os profissionais de enfermagem vivenciam diariamente a precarização do seu processo de trabalho, com baixos salários, falta de equipamentos de proteção individual (EPI) e alta prevalência de violência laboral.  Além dos profissionais de enfermagem e dos médicos, deve-se ressaltar também a importância de fisioterapeutas. Essa é uma área crucial no tratamento de pacientes diagnosticados com Covid-19, pois uma das principais complicações é a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e estes profissionais são de extrema importância na assistência respiratória dos pacientes internados em enfermarias e UTI´s. Para todo o Nordeste, teríamos envolvidos com os serviços de saúde cerca de 5 mil fisioterapeutas.

Vemos, portanto, que o grupo em exposição se diferencia no que se refere às formas de atuação, já que há uma ampla gama de atividades realizadas nos serviços de saúde para atendimentos aos pacientes, que vão desde a chegada para o atendimento, passando pela triagem, consulta médica, realização de exames laboratoriais e de imagem, alimentação, higienização, dispensação de medicamentos entre outras.

De acordo com a pirâmide etária apresentada no Gráfico 2, as mulheres representam 78% dos trabalhadores em exposição e metade deles se concentra no intervalo etário de 30 a 42 anos. Chama atenção a presença de profissionais com mais de 60 anos, grupo considerado de alto risco para o Covid-19. Apesar de representar apenas 2,3% dos 221 mil profissionais, em termos absolutos representa 5.033 profissionais, quase o mesmo montante de fisioterapeutas formalizados em todo o Nordeste.

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Gráfico 2 – Distribuição etária dos trabalhadores em exposição direta à possibilidade de contágio pela Covid-19 (221 mil trabalhadores). Fonte: RAIS, 2017.

O gráfico 3 demonstra que, dentre os profissionais com mais de 60 anos, 30% são médicos, 15% são auxiliares de enfermagem e 15% técnicos. Nos serviços de apoio estão 13% desses profissionais. Diante do alto risco de contágio e do agravamento das doenças nesse grupo etário, seria de grande importância que os mesmos fossem afastados de suas atividades laborais, para evitar mais contágio desses profissionais.

Os dados apresentados neste texto evidenciam quantos e quem são os profissionais diretamente ligados ao combate do coronavírus na Região Nordeste. Trata-se de um grupo heterogêneo em termos de formação e atuação, mas destaca-se o fato de que é majoritariamente feminino. Um grupo que vivencia os problemas cotidianos de combate a uma nova doença e a precariedade do sistema de saúde (principalmente no que diz respeito aos equipamentos de segurança).

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Gráfico 3 – Distribuição dos trabalhadores do grupo de risco e em exposição direta à possibilidade de contágio pela Covid-19 por tipo de ocupação (5 mil trabalhadores). Fonte: RAIS, 2017.

Mas adiciona-se a isso o fato de que, sendo mulheres, tendem a ser também responsáveis pelo cuidado dos afazeres domésticos. Assim, agrava-se o risco de contrair o vírus e contaminar também sua família. São profissionais que arriscam suas vidas em prol de outras (com pelo menos 24 mortes por Covid-19 entre profissionais de enfermagem) e, por isso, é urgente melhorar as suas condições de trabalho, garantir níveis seguros de profissionais, salários dignos e assegurado seu direito à saúde e segurança ocupacional.

Jordana Cristina de Jesus – Demógrafa, professora do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Karina Cardoso Meira – Epidemiologista, professora da Escola de Saúde e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Luana Junqueira Dias Myrrha – Demógrafa, professora do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19] https://demografiaufrn.net/onas-covid19

 

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