Monitoramento das tendências de isolamento social no RN a partir dos dados de mobilidade do Google

Perto de completar um mês de vigência dos decretos que interromperam total ou parcialmente as atividades de serviços não essenciais em boa parte das unidades da federação e municípios, fazer um balanço sobre a adesão às medidas de isolamento social é fundamental para que se possa realizar um planejamento futuro adequado. De acordo com o Ministério da Saúde, estima-se que o pico de contaminação do novo coronavírus deverá ocorrer entre maio e junho, quando o sistema de saúde teria que lidar simultaneamente com a Covid-19 e outras doenças respiratórias típicas do período de inverno. Sendo assim, quanto maior a aderência às medidas que restringem a circulação de pessoas, menor a chance de agravamento desse cenário de sobreposição de demandas ao sistema de saúde.

Nas últimas semanas algumas empresas de tecnologia têm divulgado dados de mobilidade provenientes de dispositivos móveis como aproximações do nível de circulação/isolamento das pessoas. A Google é uma delas e na última semana divulgou seu segundo relatório sobre locais visitados e capturados por dispositivos móveis para Brasil e outras localidades do mundo de 16 de fevereiro a 5 de abril. As localidades são classificadas em seis grupos: compras e recreação (shoppings centers, restaurantes, livrarias); supermercados e farmácias; áreas de lazer (parques, praias, jardins e praças públicas); estações de trânsito (pontos de embarque e desembarque de passageiros); locais de trabalho e residências dos usuários. Os dados divulgados pela empresa são percentuais de variação, tendo como linha de base a movimentação no período de 3 de janeiro a 6 de fevereiro de 2020, um período anterior ao decreto de isolamento social pelos estados brasileiros.

As informações disponibilizadas em formato de relatório foram extraídas inicialmente pelo software Mobius, criado e disponibilizado gratuitamente pelos pesquisadores do Data Science Campus. Nesta análise, este software é usado como parte de um pipeline de extração e pré-processamento que permite obter informações diárias sobre os registros de atividades das seis categorias disponibilizadas pela Google a nível nacional e por unidade da federação, incluindo o Rio Grande do Norte.

A Figura 1 ilustra o percentual de variação diária na mobilidade no Rio Grande do Norte, de 16 de fevereiro a 5 de abril, com relação à linha de base, para categorias de atividades disponibilizadas pela Google (ver nota ao final). É importante ressaltar que as visitas classificadas como ‘Parques’ (que também incluem as praias) apresentam níveis, em geral, reduzidos em relação às demais categorias, com exceção do período do Carnaval. Como o período de linha de base compreende o mês de janeiro, em que este tipo de local apresenta elevada mobilidade, esse resultado é compreensível.

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Figura 1 | Fonte dos dados básicos: COVID-19 Community Mobility Reports, Google

No estado potiguar, o primeiro decreto de restrições à mobilidade da população ocorreu em 18 de março. Observa-se na Figura 1 que a partir desta data, aproximadamente, a curva de registros de atividades em residências foi crescente (linha amarela). Em poucos dias alcançou o patamar de 20% de aumento com relação à linha de base, o que pode significar uma boa resposta inicial da população aos decretos e recomendações de restrição na mobilidade. Todavia, observa-se uma leve tendência de redução desse patamar ao final da série estudada.

Em contrapartida, todas as áreas não-residenciais apresentam queda expressiva em seguida ao decreto. Além da redução relativa ao período de alta temporada, as visitas classificadas como ‘Parques’ também são afetadas pela drástica redução de circulação de turistas no estado, sobretudo após as séries de decretos de restrição de circulação em todo o país e, claro, também pela redução expressiva de voos doméstico. Esses resultados corroboram as dificuldades apontadas por setores econômicos ligados ao turismo no estado potiguar, como o setor hoteleiro, que em março apresentou 90% de suas reservas canceladas.

As categorias ‘Locais de trabalho’ e ‘Estações de trânsito’ podem ser consideradas bons termômetros de exposição das pessoas a ambientes potenciais de contágio pelo vírus. Conforme ilustrado na Figura 1, houve uma tendência de crescimento, sobretudo, nos registros de atividades em locais de embarque e desembarque de passageiros. De acordo com informações da Secretaria da Saúde Pública do Estado do Rio Grande do Norte, cerca de 29% dos indivíduos com diagnóstico positivo para o novo coronavírus tinham de 30 a 39 anos de idade, o que é compatível com as idades em que eles se encontram mais inseridos no mercado de trabalho e utilizam transporte público para deslocamento diário. Neste sentido, sobretudo no caso de trabalhadores informais, justifica-se a importância de ações de auxílio financeiro emergencial em conjunto com medidas de intensificação de verificação do cumprimento do decreto de isolamento social.

Logo após o decreto de 18 de março, também se verifica uma queda expressiva da circulação em ‘supermercados e farmácias’ e ‘compras’ no estado. Todavia, por volta de 23 de março, verificou-se tendência de crescimento de movimentos para esses dois grupos, o que pode ser um efeito de indução do isolamento social à elevação do consumo de alimentos e itens de limpeza e higiene pessoal pelos domicílios. No entanto, sendo essa hipótese verdadeira, cabe destacar a necessidade de fiscalização desses estabelecimentos para que se cumpram as diretrizes de segurança contra o contágio pelo vírus entre clientes e funcionários.

A Figura 2 utiliza um indicador que agrega a movimentação de todos os tipos de ambiente considerados pela Google para mostrar a evolução do isolamento social por dia no Rio Grande do Norte em relação ao Brasil. Quanto maior o seu valor, maior o nível de circulação em relação à linha de base. Nota-se que, em termos proporcionais, a variação de circulação no Rio Grande do Norte segue um padrão similar à média brasileira em todo o período considerado, chegando a praticamente coincidir com a média após os decretos de restrição de mobilidade.

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Figura 2 | Fonte dos dados básicos: COVID-19 Community Mobility Reports, Google

O nível de circulação de pessoas no estado a partir destes decretos seguiu a mesma tendência da média brasileira, porém, com diferenciais em nível, sobretudo, ao final de março e início de abril. No último dia da série disponível para análise (05/04/2020), o nível de circulação no estado foi 76% menor em relação à linha de base, enquanto para Brasil, essa redução foi de 72%. Este dado é provavelmente explicado pelos estados que passaram a apresentar uma menor adesão ao isolamento social, por vezes de forma oficial através de decretos de flexibilização de circulação, elevando a média nacional.

Considerações gerais

Apesar das limitações inerentes aos dados (cobertura, nível agregado das informações e período relativamente longo de atualização dos dados) essas informações disponibilizadas gratuitamente pela Google são de grande potencial para monitoramento da circulação de pessoas, com a vantagem de permitir um detalhamento por grupos de atividades econômicas. No caso do estado do Rio Grande do Norte, o avanço do novo coronavírus nos municípios do interior tem sido expressivo, portanto, acompanhar as tendências de circulação de pessoas nessas localidades e não apenas na capital e região metropolitana torna-se igualmente importante. Por fim, a disponibilização e utilização de dados de mobilidade para o nível intramunicipal poderá fazer a diferença nas próximas semanas quando inevitavelmente entraremos em uma nova e decisiva fase da pandemia pelo novo coronavírus.

Nota: a fim de se retirar possíveis efeitos dos dias da semana sobre a variação de movimentação por atividade, os dados apresentados nesta figura foram sujeitos a técnicas estatísticas que evidenciam a tendência.

Ivanovitch Silva – Professor adjunto do Instituto Metrópole Digital da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (IMD/UFRN) e vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica e de Computação (PPgEEC/UFRN).

Luciana Lima – Professora adjunta do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (DDCA/UFRN) e vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Demografia (PPgDEM/UFRN).

Leonardo Bezerra – Professor adjunto do Instituto Metrópole Digital da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (IMD/UFRN) e membro do Programa de Pós-graduação em Tecnologia da Informação (PPgTI/UFRN).

Rafael Gomes – Professor adjunto do Departamento de Informática e Matemática Aplicada da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (DIMAP/UFRN) e doutor em Engenharia Elétrica (UFRN).

Marcel Ribeiro-Dantas – Pesquisador no Institut Curie (UMR168), Mestre em Bioinformática (UFRN) e doutorando na L’école doctorale informatique, télécommunications et électronique (EDITE) da Sorbonne Université (Paris).

Gisliany Alves – Graduada em Ciências e Tecnologia e em Engenharia de Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e mestre em Engenharia Elétrica e de Computação (UFRN).

Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19] https://demografiaufrn.net/onas-covid19

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