Chegamos à quinta semana desde o início da nossa série de análises sociodemográficas relacionadas à Covid-19. Acompanhamos a evolução da pandemia no país e na região Nordeste e, para isso, percebemos uma avalanche de informação sendo produzida. A ciência tem se esforçado ao máximo para tentar informar com as ferramentas que dispõe para contribuir para que as melhores decisões possam ser tomadas pela gestão pública, mas também pelo cidadão. É um desafio muito grande enfrentar a massiva produção de informações falsas e/ou distorcidas que inundam as redes sociais e aplicativos de mensagens, mas aparentemente o esforço de pesquisadores tem sido válidos.
Uma pesquisa da FioCruz analisou a propagação de fake news através do aplicativo desenvolvido para denúncias de desinformação “Eu Fiscalizo” e os resultados mostram que 74% das notícias falsas foram propagadas pelo Whatsapp, sendo que na grande maioria das vezes atribuíam à própria FioCruz a veracidade da informação. As noticias falsas se valem do respeito de diversas instituições de pesquisa e atribuem a elas a validade da informação. Surpreende, portanto, que as pessoas confiem na ciência e na respeitabilidade de institutos de pesquisa ou universidades para validar a notícia falsa que compartilham. Afinal, se por um lado desacreditam as instituições de produção científica, por outro, usam a sua reputação para disseminar fake news.
O mesmo ocorre com os veículos de comunicação e jornalismo. Parte da população se recusa a dar credibilidade às informações do que alguns chamam de “grande mídia” ou afins. Acusam a mesma de criar uma histeria desproporcional para a pandemia e, assim, buscar atacar os governos. O caso recente de fake news sobre o suposto enterro de caixões vazios no Amazonas, que teria como objetivo causas pânico na população acerca da Covid-19, demonstra essa contradição. Foi atribuído ao Jornal da Band a suposta denúncia com a imagem que viralizou mostrando um caixão aberto vazio sendo “enterrado”. A agência Lupa (jornalismo de checagem de fatos), vinculado ao grupo Folha de São Paulo, analisou as imagens e conseguiu provar que a imagem usada nessa suposta notícia do Jornal da Band era na verdade de uma notícia de maio de 2017 (em São Carlos, interior de São Paulo) que tratava do caso de um grupo de pessoas que forjou a morte de uma moradora de rua para acessar o dinheiro de um seguro de vida.
Abro aqui um parênteses, o ONAS-Covid19 teve até hoje (03.05.2020) pelo menos 39 menções como reproduções, entrevistas ou reportagens nas agências de comunicação da região Nordeste. O foco do nosso projeto foi priorizar as análises para o Nordeste e seus estados e municípios, pois percebemos que nesses grandes debates, muito se produz sobre o Brasil como um todo ou quando tratam de regionalizar, o foco é nas áreas mais populosas ou mais influentes economicamente. Isso não significa que consideramos essas análises menos importantes, mas com certeza cria uma lacuna de informação importante que dificulta a aderência da informação em outras regiões. Ou seja, para a população os problemas parecem ser distantes se os problemas que são analisados nas pesquisas e pela imprensa estão apenas tratando de São Paulo ou Rio de Janeiro. Parece que o problema não chega aqui e que não há porquê se preocupar. Portanto, somos gratos à imprensa local por dar-nos este espaço para tratar das dimensões sociodemográficas da situação que vivemos e permitir retratar com maiores detalhes a situação do Nordeste, Rio Grande do Norte ou outros recortes locais.
Retomando a discussão sobre fake news, as pessoas ainda guardam respeito pelas agencias de jornalismo, assim como as instituições de pesquisa. O diálogo entre ciência e jornalismo sempre foi próximo e relevante, mas em um mundo cada vez mais conectado às redes de informação, ganhou força esse fenômeno de produção de informações falsas. A verdade é que ela sempre existiu e não foi criada pelo advento do mundo digital, mas com certeza se tornou mais forte e ganhou espaço com a troca de mensagens por aplicativos pela sua pretensa garantia de validade de origem da informação. Recentemente, na minha última viagem pelo Brasil, no início de março, conversando com o recepcionista do hotel enquanto esperava o motorista me levar para o aeroporto, ele me indagou: “será mesmo verdade essa história do coronavírus na Itália?”. Era início de março e a situação da Itália aparecia em todos os telejornais, no Brasil o primeiro óbito ainda não tinha ocorrido e o número de casos ainda estava na casa de poucas dezenas. Respondi a ele: “Sim, aparentemente a doença deve chegar ao Brasil em breve”. Para minha surpresa, ele retrucou: “Não sei não… Acho que pode ser invenção, pois ainda não recebi nenhum vídeo pelo Whatsapp mostrando essa gente toda morrendo de verdade”.
Editorial | 03.05.2020 | Ricardo Ojima | Coordenador do ONAS-Covid19 | Programa de Pós-Graduação em Demografia | Universidade Federal do Rio Grande do Norte | Informação e desinformação na era do Whatsapp
Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19] https://demografiaufrn.net/onas-covid19