Essa semana (07.04.2020) o governo federal divulgou a forma de operacionalização do pagamento do auxílio emergencial para a população mais vulnerável economicamente aos efeitos do isolamento necessário para o enfrentamento da Covid-19. Serão três parcelas de R$ 600 por mês, podendo chegar até a 1.200 reais por família. Serão alvo dessa política os trabalhadores informais, autônomos, microempreendedores individuais (MEI), desempregados e contribuintes individuais da previdência desde que respeitados alguns critérios de faixas de renda. Para proceder aos pagamentos será usado o Cadastro Único do governo federal e, para os não cadastrados no CadÚnico, o cidadão deverá realizar o cadastro no aplicativo desenvolvido para este fim pela Caixa Econômica Federal.
A aglomeração de pessoas nos bancos é uma realidade comum, especialmente nos municípios de médio porte no interior do Nordeste, entre os dias 25 a 10 de casa mês. Isso ocorre por várias razões, como o saque de salários, programas de transferência de renda, Benefício de Prestação Continuada (BPC), aposentadorias e pensões. E com o pagamento do auxílio emergencial deverá aumentar a circulação de pessoas nos municípios/bancos, o que poderá colocar em risco a saúde e a vida dos bancários e dos usuários, através do contágio e proliferação da Covid-19, o que seria contraditório com as medidas de isolamento social.
Atento a alta demanda pelos serviços bancários, a proposta do governo federal é escalonar os depósitos do benefício ao longo dos dias do mês de acordo com as datas de aniversário do beneficiário. Mais que isso, se todos os beneficiários tentassem sacar o valor em espécie ao mesmo tempo, não haveria disponibilidade dessas quantias nas agências bancárias. Aparentemente são medidas cautelosas para evitar aglomerações nas agências e postos bancários. Entretanto, essa situação somente faz sentido quando há uma rede bancária bem distribuída pelo Brasil. O que, de fato, não ocorre em todo o país.
Segundo algumas estimativas, na região Nordeste, cerca de 8 milhões de pessoas poderão receber o benefício. Contudo, esses beneficiários já enfrentam cotidianamente dificuldades em relação à capacidade de oferta da rede bancária, sobretudo no interior. Tal situação vem se agravando nos últimos anos, devido à reorganização dos bancos (tanto públicos como privados), no sentido de reduzir o número de agências e/ou postos bancários. Os municípios do Nordeste, entre 2010 e 2020, superam a média nacional no número de perdas de agências e/ou postos bancários e, por outro lado, os ganhos desse tipo de estabelecimento são bem inferiores à média nacional, conforme informações do Banco Central do Brasil .
Além disso, com o aumento dos episódios de assaltos a bancos no interior, agências ou postos bancários foram desativados ou estão em processo de encerramento. Nos últimos anos, 40,7 milhões de pessoas em todo o Nordeste vivem em municípios que perderam agências ou postos bancários, sendo que mais de 1,2 milhões de pessoas vivem em municípios sem nenhum desses serviços (dados de fevereiro de 2020, Banco Central do Brasil).
Pela densidade dos municípios no interior dos estados do Nordeste, encontramos aqui as maiores dificuldades na cobertura de atendidos por agências ou postos bancários. Foi a região com maior proporção de municípios com fechamento desse serviço quando comparado a média do Brasil, entre 2010 e 2020. Mais grave é a situação de cerca de 14% dos municípios nordestinos que não possuem agências ou postos bancários. Além disso, parte desses municípios possuem apenas postos bancários, sendo que 43% não dispõem de agência bancária. O Piauí, Paraíba e Rio Grande do Norte são exemplos de estados com inúmeros municípios sem agências e/ou postos bancários. Por sua vez, no Ceará e praticamente todo o Pernambuco, os seus municípios possuem atendimento ao usuário através de bancos ou postos bancários. Mas é justamente esses estados que, até a data de hoje (07.04.2020), apresentam mais casos de pessoas contaminados pela Covid-19 (Ceará), bem como maior número de mortes (Pernambuco) na região Nordeste. Se a transmissão da Covid-19 é preocupante nessas Unidades da Federação, imagine nos estados/municípios com pouco ou sem acesso aos serviços bancários.
Parte da redução das agências e postos bancários é justificada pelo setor bancário, como resultado da crise econômica vivenciada no país desde 2016, bem como a maior informatização da rede e dos serviços disponíveis online e outras formas de auto-atendimento. Entretanto, cabe ressaltar que a parcela da população mais vulnerável pouco utiliza esse tipo de canal, pois precisa dos valores em espécie para suas transações cotidianas, sobretudo em municípios menores, onde os estabelecimentos comerciais muitas vezes não utilizam serviços de pagamento por cartões devido aos elevados custos proporcionais. Ademais, para boa parte dos idosos essas tecnologias ainda são distantes de suas realidades (econômica e educacional) e experiências passadas. Outro agravante é que as agências bancárias e postos bancários, nesse momento de pandemia, para proteger os seus funcionários, reduziram o quadro de trabalhadores através de férias ou trabalho home office.

Enfim, fica o alerta para a situação precária da rede de serviços bancários com o aumento da pressão de usuários, principalmente aqueles que precisarão efetuar saques em espécie nas regiões mais remotas do país e terão que se deslocar por longas distâncias para serem atendidos. Mesmo havendo uma preocupação pelo governo em escalonar os pagamentos e evitar a aglomeração de cidadãos nos bancos, esquecem que o Brasil contém desigualdades regionais e intraestadual. Além dessas medidas, se não houver a organização de filas com certo distanciamento, os municípios que polarizam os serviços bancários no interior do Nordeste correm o risco de ampliarem o contágio ‘em efeito cascata’ da Covid-19.
Se até então estava concentrado nas capitais e grandes cidades, já podemos verificar um processo de interiorização em marcha. Nesse sentido, fica o alerta: para o auxílio emergencial não contribuir para aumentar o potencial de contágio nas regiões do interior nordestino é necessário ter em mente o apagão do sistema bancário e adotar medidas emergenciais para compensar essa carência. Além disso, é preciso organizar o sistema e os municípios para receber um volume maior de pessoas do que já recebe nos períodos de pagamentos.
Silvana Nunes de Queiroz – Demógrafa, professora do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri (URCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Ricardo Ojima – Demógrafo, professor do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Jarvis Campos – Demógrafo, professor do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19] https://demografiaufrn.net/onas-covid19