Covid-19 no Semiárido Nordestino: o ritmo da interiorização do contágio no Ceará

Nossa última análise sobre a disseminação da doença do novo coronavírus no semiárido nordestino, com informações para o dia 30 de maio, destacou que a Covid-19 já tinha alcançado 80% dos municípios da região, atingidos com pelo menos um caso confirmado. Na ocasião, o número total de sertanejos infectados contabilizava 30.154. Atualizando as informações para o dia 24 deste mês, isto é, 25 dias depois, tem-se que o vírus já chegou a 92% dos municípios do semiárido (Tabela 1). Nesta nova data, o total de sertanejos infectados pelo novo coronavírus é de 90.664, indicando uma média de 2,4 mil novos casos a cada dia nesse período.

Tabela 1 – Percentual de municípios infectados e número de casos confirmados e de óbitos no semiárido nordestino, segundo Unidade da Federação. | Fonte: https://covid19br.wcota.me (acesso em 25 de junho de 2020). | Nota: A classificação dos municípios que compreendem o semiárido procede do Ministério da Integração Nacional, estando prevista na portaria nº 89 de 2005.

Os óbitos, por sua vez, já ultrapassam a marca dos 3 mil no semiárido. Como era de se esperar, já por ter um maior número de casos confirmados, os sertanejos cearenses também são os que mais morrem. A cifra é de 1.753 pessoas acometidas pelo novo coronavírus. Atrás dos cearenses estão os pernambucanos com 501 mortes. 

A partir da análise espacial é notável a predominância de casos nos municípios do semiárido cearense (Figura 1), onde quase todos eles já registram (até 24/06), pelo menos 40 casos. Neste espaço foram confirmados 42.508 casos (Tabela 1), conferindo a ele uma participação de 47% no total do semiárido nordestino.

Figura 1 – Casos confirmados de Covid-19 por município no semiárido nordestino: Fonte: https://covid19br.wcota.me (baseado nos boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde).

Em relação ao total do estado, onde foram registradas 96.231 pessoas com casos confirmados da doença, os infectados residentes no semiárido representam 44,17%. Sabendo que o foco inicial da disseminação da doença se deu nas regiões metropolitanas, as informações anteriormente expostas evidenciam uma rápida tendência de interiorização do contágio do novo coronavírus no estado.

As características básicas das pessoas infectadas (idade e sexo), mostra que o maior número delas são do sexo feminino com maior concentração nas idades entre 30 e 34 anos (Figura 2). Todavia, a maioria dos casos tanto do sexo feminino quanto do masculino concentram-se dentro do grupo populacional em idade ativa (15 a 64 anos). Nas idades mais avançadas onde também há uma proporção significativa de casos positivos, grupos etários de maior risco ao vírus, tem-se uma distribuição equilibrada entre os sexos.

Figura 2 – Casos Positivos para Covid-19, segundo sexo e idade, para o semiárido cearense: Fonte: SES (Secretaria Estadual de Saúde) do Ceará.

Embora o vírus esteja tomando dimensões cada vez maiores e se dirigindo para os municípios interioranos no estado, parece que a curva epidemiológica de início dos sintomas, daquelas pessoas com resultados positivos, esteja diminuindo. A Figura 3 apresenta uma redução significativa do contágio do novo coronavírus no semiárido cearense. Mas, como podemos ter um encolhimento da curva de contaminação se verificamos anteriormente um aumento do número de casos confirmados no semiárido cearense? Em quais curvas devemos confiar?

Figura 3 – Casos Positivos para Covid-19, segundo data de início dos sintomas, de notificação e de resultado do exame, no semiárido cearense: Fonte: SES (Secretaria Estadual de Saúde) do Ceará.

A data dos sintomas é a mais próxima do momento do contágio, por isso esse é um indicador extremamente importante para mostrar o que está realmente acontecendo, haja vista também a menor perda de informação. Quando atentamos para as curvas da data de notificação e de resultado do exame é notória a perda de informações, com destaque para os finais de semana. Enquanto a curva do início dos sintomas apresenta tendência decrescente as demais continuam em ascensão.  Ao comparar as datas medianas vimos que o tempo decorrido entre o início dos sintomas e a notificação foi de 10 dias; e o do início dos sintomas ao resultado do exame foi de 15 dias. Isso, portanto, dá o indicativo que estamos trabalhando com informações sempre defasadas no que diz respeito ao comportamento do novo coronavírus.

Dito isso, o declínio observado na curva do início dos sintomas, pensando nos dias de quarentena (14 dias), é uma ótima notícia. Quando olhamos para o acumulado dos casos confirmados por data de início dos sintomas é observada uma estabilidade no contágio da doença no final da curva (Figura 4).

Figura 4 – Acumulados dos casos positivos para Covid-19, segundo data de início dos sintomas, no semiárido cearense: Fonte: SES (Secretaria Estadual de Saúde) do Ceará.

A atenção dada à população com maior dificuldade de aderir ao isolamento social por um longo período de tempo, dadas as condições socioeconômicas desfavoráveis, pode ter contribuído na lida com novo coronavírus pelos sertanejos. Assim, as medidas rígidas de isolamento social, estabelecida pelo governo estadual, puderam ter maior chance de sucesso na contenção do contágio. As ações de destaque são o Vale-gás, o pagamento da conta de energia elétrica e o auxílio emergencial, que teriam amenizado os impactos sociais decorrentes da pandemia do novo coronavírus sobre as famílias de baixa renda.

É importante destacar que o isolamento social não é o mesmo para todos, especialmente para aqueles que residem no meio rural. Estes possuem uma defesa que pouco se tem no meio urbano, espaços abertos. Estudos que avaliaram os surtos reais dos riscos de deixar a quarentena/isolamento social tinham em comum os espaços fechados (um escritório, um restaurante e um ônibus). Assim, pode-se dizer que o isolamento social do sertanejo que mora no campo seria praticamente permanecer no campo, evitar os espaços urbanos e, não sendo possível, tomar todos os cuidados necessários ao visitá-los. 

Pensando no timing por município do semiárido cearense, quais são as datas medianas de início dos sintomas de cada um deles? Para responder a essa questão temos a Figura 5. A partir do mapa pode-se afirmar que existe uma tendência espacial no que diz respeito a data de início dos sintomas, com concentração maior em direção ao interior da região semiárida. Em outras palavras, a medida que o tempo passa o coronavírus alcança os lugares mais interiorizados do estado cearense.

Figura 5 – Data mediana do início dos sintomas, apenas para casos positivos de Covid-19, por município de residência no Ceará: Fonte: SES (Secretaria Estadual de Saúde) do Ceará

Em geral a disseminação do vírus está intimamente ligada aos aglomerados urbanos, em especial a aqueles de maior dinamismo econômico. Assim, ao considerar os dados da Região de Influência das Cidades (REGIC), neste caso a influência de Fortaleza, é visível uma certa associação entre as datas de início dos sintomas com os espaços urbanos de maior influência econômica no estado, com maior atraso para os espaços mais interiorizados. É na região do Cariri Cearense, no semiárido, onde o vírus vem produzindo vítimas mais recentemente. A rede urbana nessa região de influência corresponde ao município de Iguatu e o conhecido triângulo CRAJUBAR (Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha), os quais desempenham papel importante na dinâmica estadual e regional.

Portanto, foi possível notar que embora haja um crescimento no número de casos confirmados dia após dia no semiárido cearense, indo em direção para aqueles municípios mais interiorizados, o contágio do novo coronavírus vem se arrefecendo neste espaço. Isso pode ser reflexo das estratégias sinérgicas adotadas pelo governo estadual e federal, além das medidas de prevenção divulgadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde), ao dar a devida atenção a população em situação de vulnerabilidade social. Assim, quando há uma ação conjunta entre sociedade e instituições públicas e privadas tende a haver um desempenho mais igualitário.

Paulo Victor Maciel da Costa – Economista e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19] https://demografiaufrn.net/onas-covid19

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