Os desafios do home office para as mulheres, em tempos de isolamento social (devido ao COVID-19)

Até o momento, o isolamento social tem sido a única “vacina” para evitar o contágio em massa do novo coronavírus. Vários trabalhadores e trabalhadoras das áreas não prioritárias estão em casa desenvolvendo seu ofício no chamado home office, sobretudo entre a classe média e ocupações em que isso é viável. Mesmo que seja realidade para um grupo específico da população, o contexto de home office ainda guarda distinções importantes entre homens e mulheres no Brasil. Isso porque na sociedade brasileira, independente da classe social, há uma enorme desigualdade na forma como homens e mulheres alocam seu tempo em atividades remuneradas e não remuneradas. Mais de 80% da carga de tarefas domésticas ainda são responsabilidade feminina, entre elas os afazeres domésticos e cuidado das crianças e de idosos.

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Cerca de 4,6 milhões de mulheres atuam no mercado de trabalho formal no Nordeste e 26 milhões no Brasil. Parte dessas trabalhadoras está agora em casa mantendo sua atuação profissional à distância durante essa primeira fase de isolamento social adotada no Brasil. A maioria delas precisa produzir durante esse período, com a mesma qualidade e celeridade que homens em cargos semelhantes. Na classe média, muitas famílias terceirizam o trabalho doméstico e cuidado das crianças e idosos contratando diaristas, empregadas domésticas, babás, creches, cuidadores de idosos, etc. Contudo, diante da necessidade do isolamento das famílias neste período, as atividades das creches e escolas estão paralisadas e a atuação de diaristas, empregadas domésticas e cuidadores de idosos não são recomendadas.

Portanto, para quem está em home office e têm crianças em idade escolar, os desafios são muitos, pois deixar a casa organizada, limpar, cozinhar, lavar e passar roupa, entreter as crianças e, em muitos casos, cuidar dos animais domésticos, torna a realização do trabalho formal remunerado em casa bastante custosa em termos de disponibilidade de tempo. As estatísticas do IBGE evidenciam que, em situação de ”normalidade”, antes da necessidade de isolamento, as mulheres já dedicavam quase o dobro de horas aos afazeres domésticos se comparadas aos homens. Segundo dados disponíveis para 2018, elas dedicaram cerca de 21 horas semanais e os homens apenas 11 horas. Essa diferença é um pouco menor quanto maior a escolaridade dos homens, mas ainda assim é uma diferença bastante significativa. São poucos os domicílios no Brasil que tem suas demandas de atividades atendidas de forma paritária por homens e mulheres.

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Jordana Cristina de Jesus (esq.) e Luana Myrrha | Docentes do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem/UFRN)

As relações de gênero dentro das famílias ainda são muito desiguais no nosso país e, infelizmente, o contexto político atual parece reforçar a manutenção dessa desigualdade e até mesmo contribuir para o agravamento dessa situação, quando declarações de políticos e até o Presidente da República reiteram a equivocada ideia de que as mulheres são inferiores aos homens e que a força laboral delas deveria ser menos remunerada devido, por exemplo, à condição de maternidade. Enfim, infelizmente no Brasil e ainda em grande parte do mundo, naturaliza-se a ideia de que as mulheres são as responsáveis naturais a assumir o trabalho doméstico e o cuidado das crianças e idosos, via de regra, sem reconhecimento ou valorização desse trabalho.

Existem atualmente no Brasil mais de 2 milhões de mulheres que possuem alguma ocupação remunerada e que residem simultaneamente com crianças e idosos. Portanto, estas mulheres já dedicam parcela considerável do dia para trabalho doméstico e cuidados. Sem falar no trabalho mental e psicológico que esse cuidado envolve, uma vez que ainda há a preocupação com toda essa estrutura doméstica e a auto-cobrança pelo equilíbrio entre as duas esferas da vida. Assim, o contexto de isolamento social torna o tempo delas bastante reduzido para se dedicar ao que se vem chamando de home office e, para aquelas que convivem com crianças e idosos no mesmo domicílio, a situação é ainda pior.  Já existem evidências científicas de que a sobrecarga de trabalho, a autocobrança, a frustração de não estar cumprindo satisfatoriamente seu trabalho remunerado ou mesmo os cuidados dos membros da família leva ao adoecimento mental de muitas mulheres, quadro que provavelmente se agravará no atual cenário de isolamento social.

Luana Junqueira Dias Myrrha – Demógrafa, professora do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Jordana Cristina de Jesus – Demógrafa, professora do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19] https://demografiaufrn.net/onas-covid19

2 comentários sobre “Os desafios do home office para as mulheres, em tempos de isolamento social (devido ao COVID-19)

  1. Historicamente, as mulheres realizam uma dupla jornada de trabalho e, raras vezes, têm o devido reconhecimento. Em tempos de confinamento, essa situação tende a se intensificar. Compete aos demais membros da família assumirem algumas dessas atividades para amenizar a situação dessas mulheres trabalhadoras.

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  2. Excelente texto, retrata a realidade das nossas mulheres fantásticas que infelizmente passam por grandes desafios em suas vidas. Vamos à luta para mudar essa realidade. Parabéns meninas/mulheres Luana e Jordana. Vocês nos orgulham.

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