A Organização Mundial da saúde conceitua como suicídio o ato intencional, deliberado e consciente de pôr fim à própria vida. É um agravo à saúde complexo, multideterminado que envolve questões socioeconômicas, biológicas, psicológicas, políticas e culturais. Em publicação anterior do ONAS discutimos o suicídio como uma questão de gênero, lançando luz sobre o fato de que as mulheres que sofrem violência doméstica apresentam maior risco de tentativa de suicídio e suicídio em relação às mulheres sem notificação prévia de violência, além da relação social estreita entre as motivações do suicídio e as desigualdades de gênero.
Os principais fatores de risco para o comportamento suicida são os transtornos mentais, associados às questões ambientais, filosóficos existenciais e motivações socioculturais, depressão, transtorno afetivo bipolar, esquizofrenia e uso abusivo de álcool e outras drogas além disso, tentativa de suicídio pregressa, isolamento social, histórias de vidas marcadas por violências e abusos, uso abusivo de álcool e drogas. Em nível conjuntural, destacam-se crises econômicas, ajuste fiscal e crises sanitárias. O Brasil como apresentado na publicação do ONAS apresentou tendência ascendente de mortalidade por suicídio em mulheres no período de 2010 a 2019, em todas as suas regiões geográficas, perfil semelhante foi observado nos suicídios em homens no período de 1996 a 2016 [1].
Acredita-se que devido ao efeito da pandemia da COVID-19, o quantitativo de suicídio e as taxas de mortalidade podem aumentar, e a evolução temporal dos coeficientes de mortalidade se manter ascendente. Estudos evidenciaram intensificação da mortalidade por suicídios após crises sanitárias, como a pandemia da gripe espanhola (1918-1919) nos Estados Unidos da América, em Hong Kong após a epidemia da SARS, em 2003, além do suicídio consumado, também foram reportados aumento de automutilação em países africanos que viveram o surto de Ebola.
Nesta pandemia por COVID-19, considerada um desafio sanitário sem precedentes, é importante que olhemos com atenção para os fenômenos sociais, como o suicídio, no Brasil e em suas Unidades Federativas, para que a complexidade da crise sanitária seja também enxergada como tal. Dessa maneira, este texto tem como objetivo analisar a taxa de mortalidade por suicídio no estado do Rio Grande no período de 2011 a 2020 tendo como fonte dos registros de óbitos o Rede e Instituto OBVIO.
No período de janeiro de 2011 a 10 de março de 2021 ocorreram 1.727 suicídios no estado do Rio Grande do Norte, representando 2,6 suicídios por dia. Com maior percentual dos óbitos no sexo masculino (82,57%), perfil que se manteve em todos os períodos em estudo (Gráfico1). Esses resultados são semelhantes ao observado no Brasil e suas regiões geográficas no período de 2010 a 2019. Como discutido em texto anterior do ONAS ao avaliarmos o suicídio consumado teremos um problema masculino, no entanto quando estudamos as tentativas de suicídio veremos maior percentual de tentativas nas mulheres, ocasionando o chamado paradoxo do suicídio.

No período de janeiro de 2011 a 10 de março de 2021 verificou-se maior frequência de óbitos em negros tanto no sexo masculino quando no feminino, representando 88,01% dos suicídios (Gráfico 2). Discute-se que o racismo impacta fortemente na saúde mental da população negra, seja pela violência estrutural a que estão expostos cotidianamente, ganhando os piores salários e residindo em localidades com os equipamentos sociais de pior qualidade. Somado a estas condições, são mais expostos à violência policial e do crime organizado, aumentando o risco do desenvolvimento de transtornos mentais comuns (ansiedade, depressão entre outros). Destaca-se ainda que essa população tem maior dificuldade em ter acesso à atenção psicossocial, aumentando o risco de suicídio pelas barreiras no acesso à saúde.

A tendência temporal da mortalidade por suicídios no estado do Rio Grande do Norte mostrou-se ascendente para homens e mulheres, conforme pode ser observado nos gráficos a seguir, nas mulheres o aumento passou a ser percebido no ano de 2015 e nos homens me 2016.


Verificou-se maior taxa de mortalidade de suicídio em mulheres no ano de 2020 (3,29 óbitos por 100 mil mulheres) representando um aumento de 55,92% em relação ao coeficiente de mortalidade do ano 2019 (2,11 óbitos por 100 mil mulheres). O mesmo perfil foi verificado nos homens (13,17 vs 12,92 óbitos por 100 mil homens) correspondendo a um aumento de 1,93% em relação ao ano de 2019, na população geral o aumento foi de cerca de 10% (Tabela 1).

As maiores taxas de mortalidade foram observadas em idosos, tanto em homens quanto em mulheres. As mulheres apresentaram aumento das taxas a partir da quarta década de vida e os homens a partir da sexta década (Gráfico 5). Em, 2020 houve aumento nas taxas de mortalidade em todas as faixas etárias, com aumento significativo nas mulheres quando se compara com o período de 2011 a 2019 (Gráfico 6).
O aumento da mortalidade por suicídio em 2020 pode estar correlacionado à pandemia da COVID-19, estudos têm discutido o efeito da pandemia na saúde mental, em virtude do isolamento social, medo do desconhecido, temor de contaminar a si ou os familiares, impacto socioeconômico, como desemprego, insegurança alimentar e falta de assistência médica para o manejo de problemas psicossociais.
Na China, nos primeiros meses da pandemia, observou 16,5% de sintomas depressivos moderados e graves e 28,8% de ansiedade grave ou moderada entre os participantes. No Brasil, estudo transversal, realizado entre abril e maio de 2020, com 3.200 adultos, por meio de questionário eletrônico, identificou prevalência de 21,5% de estresse severo, 19,4% de ansiedade e 21,5% de depressão. Enfatiza-se que os fatores associados à depressão severa foram: ser mulher jovem; vivendo sem companheiro, além de história pregressa de ansiedade e sintomas de COVID-19.


A avaliação da proporção de suicídios segundo renda familiar, evidenciou ao longo do período estudado aumento do percentual de mortes em indivíduos sem renda ou com renda familiar até 2 salários-mínimos. Durante a crise econômica de 2008, principalmente em homens em 27 países europeus (4,2% ;IC 95% 3,4 – 5,1%) e em 18 países do continente Americano (6,4% ;IC 95% 5,4 – 7,5%). Estimativas apontam que se forem mantidas as taxas de desemprego atuais, ocorrerá aumento de 6000 a 9570 suicídios por ano no mundo.
O desemprego da população neste período de pandemia pode tornar a população desamparada do ponto de vista financeiro e simbólico, tendo em vista que o emprego fornece a principal fonte de renda das famílias e demarca subjetivamente a vida das pessoas. A perda de emprego, a derrocada financeira, o desamparo, a desesperança e o desespero, quando somadas podem levar o indivíduo a sentir-se sem escapes.
Entretanto, estratégias e políticas sociais públicas assertivas podem minorar, os efeitos negativos da pandemia por COVID-19 na população, inclusive as relacionadas ao desespero e desesperança, como o comportamento suicida. Ao sentir-se de certa forma protegida pelo Estado, através de distribuição de renda igualitária, medidas sanitárias coerentes com diretrizes internacionais, pode-se atenuar alguns impactos psicossociais [2].

[1] RODRIGUES, Weverton Thiago da Silva. Mortalidade por suicídio em homens nas regiões geográficas brasileiras no período de 1996 a 2016.2019.40 f. TCC (Graduação) – Curso de Tecnologia em Gestão Hospitalar, Escola de Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019.
[2] Yao H, Chen JH, Xu YF. Patients with mental health disorders in the COVID-19 epidemic. Lancet Psychiatry 2020; 7: e21 | Stuckler D, Basu S, Suhrcke M, Coutts A, McKee M. The public health effect of economic crises and alternative policy responses in Europe: an empirical analysis. Lancet 2009; 374: 315–23.
Karina Cardoso Meira – Epidemiologista, professora da Escola de Saúde e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Eder Samuel Oliveira Dantas – Enfermeiro, Doutorando em Saúde Coletiva pelo PPGSCOL/UFRN , coordenador da Residência Multiprofissional em Atenção Psicossocial do Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (HUOL/UFRN), Especialista em Prevenção do Suicidio
Weverton Thiago da Silva Rodrigues- Tecnólogo em Gestão Hospitalar, Mestrando em Demografia pelo PPGDEM/UFRN
Jordana Cristina de Jesus – Demógrafa, professora do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)