Os dados disponibilizados pela SESAP-RN indicam uma retomada do crescimento da epidemia de Covid-19 no Rio Grande do Norte a partir do final de agosto, e com aceleração desse ritmo de aumento nos meses subsequentes. Conforme mostra a Recomendação No. 21 do Comitê de Especialistas da SESAP-RN, chama a atenção nesse cenário o perfil etário da curva de contaminados no estado: se no início da pandemia, em março, a população jovem de 35 anos ou menos respondia por 27,8% do total de casos de Covid-19, em novembro, a participação desse mesmo grupo etário era de quase a metade do total de registros (46,5%) [2]. Nesta nova fase da epidemia, o perfil dos infectados é quatro anos mais jovem, se comparado com o pico da epidemia em Junho deste ano (mediana, 42 e 38 anos, respectivamente em Junho e Dezembro), conforme mostra a Figura 1.

Conforme ilustrado pela Figura 1, a idade mediana de pessoas que testaram positivo para a Covid-19 permaneceu praticamente inalterada nos meses de setembro e outubro, mas voltou a crescer em novembro, com a aceleração do aumento do número de casos de Covid-19 no estado.
Com a reabertura econômica, possivelmente houve maior exposição do contingente populacional adulto participante da força de trabalho a um maior risco de contaminação, bem como uma maior circulação de pessoas de grupos etários jovens em locais sujeitos a formar aglomerações, como casas noturnas, bares e eventos artísticos. Em conjunto, esses fatores podem ter contribuído para o rejuvenescimento da curva de contaminados, em um primeiro momento, mas também para que a doença chegasse até as pessoas de grupos etários mais avançados, em uma etapa posterior.
Considerando que não há seletividade por idade entre aqueles que realizaram teste para a Covid-19 e que esta informação encontra-se bem registrada no banco de dados, pode-se delinear a dinâmica de incidência da Covid-19 entre os diferentes grupos etários. A Figura 2 ilustra a taxa de incidência (número de casos confirmados de Covid-19 para cada 100 mil habitantes) por grupos etários quinquenais no RN desde o início da pandemia. Até a quarta semana de abril havia pouca variação na taxa de incidência da doença por faixa etária, porém, na primeira semana de maio, o risco de contaminação começa a se destacar para algumas faixas etárias: 35 a 39 anos e 40 a 44 anos (cores mais claras em relação aos demais). Na semana seguinte, o risco de contaminação aumentou para todos os grupos etários acima de 25 anos, chegando até as idades avançadas, cujas chances de evolução do quadro clínico dos doentes para o óbito costumam ser maiores.

Até junho as taxas de incidência da Covid-19 por grupo etário se mantinham crescentes, se reduzindo a partir de julho, e com certa homogeneidade entre eles (predomínio de cores mais escuras). Porém, alguns meses depois, por volta de novembro, este equilíbrio é rompido, com alguns grupos apresentando maior risco de contrair Covid-19 do que outros, como os adultos jovens de 25 a 40 anos. Na última semana de novembro observa-se que as taxas de incidência de Covid-19 nas faixas etárias de 60 a 64 anos e de 70 a 74 anos, por exemplo, voltaram a se destacar, tal como observado cinco meses atrás (representados por cores mais claras).
Estudos recentes mostraram que idosos têm maior chance de se contaminar quando em contato com com familiares mais jovens. Segundo dados da PNAD Contínua do terceiro trimestre de 2020, em cerca de 147 mil domicílios potiguares (12,2% do total) havia idosos de 60 anos ou mais residindo com jovens de 18 a 35 anos de idade. Analisando por faixas etárias, verifica-se que os mais jovens entre eles moravam com pelo menos um idoso – 44,3% tinham de 18 a 24 anos -, seguidos pelo grupo etário 25 a 29 anos (27,3%) e 30 a 35 anos (28,5%). Assim, um maior número de pessoas jovens infectadas representa um risco excepcional para a infecção das pessoas nas idades mais avançadas.
Festas familiares são um evento catalisador de infecções, especialmente quando se reúnem familiares que não tem um convívio diário ou habitual. Nos Estados Unidos, foi registrado um pico acentuado de hospitalização e óbitos apenas uma semana após o feriado de Thanksgiving (Ação de Graças), cujas tradições familiares são parecidas com as festas natalinas brasileiras. Estudos recentes publicados na revista Nature indicam que pequenas reuniões, como estas, são o principal motor do crescimento da epidemia.
Este padrão de evolução da epidemia já foi observado em outros lugares. No estado da Flórida, nos Estados Unidos, houve um crescimento de casos acentuado depois das festas de Spring Break (algo como um carnaval em Abril) mas sem que houvesse um paralelo imediato na curva de óbitos. O que se viu no mês seguinte foi uma mudança no perfil dos infectados, tendendo para os mais velhos, e logo se observou um aumento nas taxas de hospitalização e de óbitos.
Este perfil de infectados mais jovens implica em um menor número de hospitalizações e óbitos, uma vez que a chance da doença evoluir para um quadro grave cresce com a idade. No início de Maio a rede hospitalar da região metropolitana de Natal chegou a ter 100% de ocupação, hoje está estacionada próximo aos 60% de ocupação, enquanto o número de óbitos diários registrados atualmente se encontra no mesmo patamar anterior ao pico do meio do ano.
Contudo, a percepção da população sobre o estado da pandemia não parece refletir a gravidade da situação. A maior média mensal do indicador de isolamento social da In Loco foi alcançada no início da pandemia (44% em abril). Depois deste período os valores são decrescentes, mesmo antes da reabertura econômica no estado. Os meses de setembro (36,6%) e de outubro (36,5%) registraram os menores valores no índice, o que pode ser uma decorrência da intensificação da circulação de pessoas durante as campanhas eleitorais do estado. Em novembro, foi registrada uma média um pouco maior (38,6%), assim como nos primeiros 14 dias de dezembro (39,1%). Destaca-se que, no geral, os valores são baixos e preocupantes, e com a aproximação do Natal e maior capitalização da população com o pagamento do 13º salário a movimentação de pessoas sobretudo no comércio deve aumentar, e níveis menores de distanciamento social podem ser atingidos.
A recomendação da Fundação Oswaldo Cruz é que festividades de fim de ano com pessoas de fora do convívio diário sejam evitadas. Caso não seja possível, foram disponibilizadas orientações sobre como reduzir os riscos [Confira: https://agencia.fiocruz.br/fiocruz-lanca-material-com-orientacoes-para-o-fim-de-ano].
A pesquisa foi coordenada pela Prof. Luciana Lima (Demografia-UFRN) e pelo Prof. César Rennó Costa (IMD-UFRN). Participaram as alunas de graduação Patricia Sayonara e Júlia Ferreira do BTI-IMD e membros do Consórcio Singularity, financiado pela Universidade Heriot-Watt da Escócia.
Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19] https://demografiaufrn.net/onas-covid19