Conhecer o perfil populacional é fundamental para planejar a vacinação

O recente debate sobre a indefinição de um plano nacional de vacinação pelo governo federal criou muita expectativa em diversos setores sociais. A informação divulgada essa semana (16.12) é de que o governo estima 49,6 milhões de pessoas que serão imunizadas em um primeiro momento. Os grupos considerados prioritários pelo plano nacional são:

  • trabalhadores da área de saúde;
  • idosos (acima de 60 anos);
  • indígenas;
  • pessoas com comorbidades;
  • professores (nível básico ao superior);
  • profissionais de forças de segurança e salvamento;
  • funcionários do sistema prisional;
  • comunidades tradicionais ribeirinhas;
  • quilombolas;
  • trabalhadores do transporte coletivo;
  • pessoas em situação de rua;
  • população privada de liberdade.

Entretanto, um desafio mais específico deriva das opções de vacina disponíveis. A vacina desenvolvida pela Pfizer/BioNTech demanda armazenamento em freezers que precisam atingir 70 graus negativos e não é abrangente a cobertura deste tipo de refrigeração em todo o território Brasileiro. Essa é a vacina que já teve início de utilização no Reino Unido no início de dezembro. É uma das opções previstas no plano nacional do Brasil e se ela for a primeira a ser disponibilizada efetivamente para aplicação por aqui, ela deverá impactar na própria definição dos grupos prioritários. Ou seja, precisaríamos saber como estão distribuídos esses grupos prioritários no território.

Não basta termos uma estimativa do tamanho da população em cada um dos grupos prioritários, precisamos também de uma estimativa da localização dessa população para organizar a logística da distribuição, de modo que a distribuição de doses seja otimizada para o quantitativo de pessoas. Por isso os dados do Censo Demográfico são fundamentais. A última coleta de dados que permitiria ter esse detalhamento do quantitativo de pessoas por algumas dessas categorias definidas como grupos prioritários na escala dos municípios e para dentro dos municípios foi o Censo 2010. Infelizmente foi a própria pandemia que inviabilizou a realização do Censo em 2020, mas essa demanda mostra quão rico e importante é a realização de um Censo.

Veja, por exemplo, como muda a distribuição da população por sexo e idade no municípios de Natal entre 1970 e 2010. Em 1970, a proporção de idosos em Natal era de 3,2% no total da população e em 2010 esse mesmo indicador passou para 6,9%. E isso ocorre de modo diferente em cada localidade. Boa parte desse aumento da proporção de idosos é decorrente da diminuição do número de nascimentos, fazendo com que o peso relativo da população idosa aumente. Outra parte é o aumento da longevidade da população, pois as pessoas estão vivendo mais tempo ao atingirem as idades mais avançadas. Por fim, ainda o impacto da migração. Em alguns municípios menores do interior nordestino, por exemplo, ainda persistem importantes fluxos de saída de pessoas (emigração). Como a migração é seletiva por grupos de idade, são os jovens daquele município que mais saem.

Há técnicas demográficas que permitem fazer estimativas seguras para se obter os quantitativos de pessoas em alguns grupos populacionais, como por exemplo, os idosos. Na escala municipal, sobretudo nos pequenos municípios, isso é mais complexo. Quanto menor é a escala de análise considerada (municípios, bairros, quadras da cidade), mais difícil é ter segurança nas estimativas da quantidade de pessoas e, principalmente, em grupos populacionais específicos. Estudos desenvolvidos por pesquisadores do PPGDem avançam em metodologias para que essas estimativas sejam mais seguras. Obter estimativas e projeções populacionais para a escala dos municípios, mas que também desagreguem a informação por grupos de idade e sexo (Freire et al, 2019) é fundamental para planejar a distribuição de uma vacina que demande uma infraestrutura tão específica como é o caso da opção da Pfizer/BioNTech. Caso contrário, corre-se o risco da vacina não ser distribuída nos locais onde os grupos prioritários se encontram. Se o plano nacional de vacinação de fato incorporar um conjunto de vacinas diverso, talvez esse nível de detalhamento não seja necessário, mas fica claro que definir os grupos prioritários sem saber qual a infraestrutura que cada uma vai demandar é arriscado.

Há vários motivos para que o governo federal tenha um portifólio de vacinas diverso para poder atender de modo mais abrangente a população brasileira. Mas no que se refere aos dados demográficos, é importante refletir sobre a nossa capacidade de saber quantos são e, principalmente, onde estão as pessoas que precisam recebê-la. Caso a escolha da vacina não atenda a diversidade da população brasileira em termos das suas características demográficas, sociais e da sua distribuição espacial, os desafios logísticos serão muito maiores.

Enfim, trata-se de um bom exemplo para demonstrar a importância do conhecimento na área de demografia para aplicações empíricas fundamentais. São ferramentas e abordagens metodológicas que demandam investimentos de tempo e energia de um grupo de pesquisadores há alguns anos, mas que mostram a relevância do conhecimento científico e a pesquisa científica para a sociedade. Ou seja, pesquisa não é gasto, é investimento.

Ricardo Ojima – Demógrafo, professor do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Marcos Roberto GonzagaDemógrafo, professor do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19] https://demografiaufrn.net/onas-covid19

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