Concentração bancária e o avanço da Covid-19: um estudo de caso para o município de Currais Novos (RN)

A nota O apagão da rede bancária no interior do Nordeste e a pandemia da Covid-19 publicada no ONAS em 08/04/2020 chama a atenção para uma alta demanda por serviços bancários em virtude do pagamento do auxílio emergencial à população de baixa renda durante a crise. E em um contexto de uma pré-existente baixa cobertura de infraestrutura bancária, sobretudo em municípios do interior de estados como o Piauí, a Paraíba e o Rio Grande do Norte.

Segundo dados do Banco Central do Brasil, 27% dos municípios potiguares não apresentavam agências ou postos bancários em 2020. No decorrer do período, vários episódios de superlotação em agências bancárias para recebimento do auxílio emergencial no RN foram relatados na imprensa, como em Mossoró e Natal, duas cidades de grande porte do estado e que apresentam muitos casos de Covid-19. No final de maio de 2020, a fim de se evitar aglomerações, a Caixa Econômica Federal anunciou a abertura de mais 35 agências no estado, além de permitir a transferência do benefício para contas de outros bancos.

Currais Novos e sua relevância econômica no Seridó

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município de Currais Novos possui uma população estimada de 44.786 habitantes, a segunda maior da Região do Seridó e a primeira da microrregião do Seridó Oriental. Classificado em 2010 como um município de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio (0,691), do ponto de vista econômico, Currais Novos também se destaca como o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) per capita (15.960,05 reais) e a maior média salarial entre trabalhadores formais (1,7 salários mínimos) daquela microrregião em 2017.

Também segundo informações do IBGE, o setor de serviços (exceto administração, defesa, educação e saúde públicas e seguridade social) respondia em 2017 por 50,6% do PIB de Currais Novos, sendo este o maior percentual da microrregião do Seridó Oriental e o nono maior valor do estado. Essa característica implica ao município uma circulação de pessoas de municípios vizinhos à procura por serviços diversos como os bancários. Segundo dados do Banco Central do Brasil, em maio de 2020 Currais Novos apresentava oito instituições financeiras entre agências bancárias e postos de atendimento, o que em face do mencionado apagão bancário no estado, representa um local de alta demanda não apenas por parte de seus residentes como também pelas populações de municípios vizinhos. 

Ataques a instituições financeiras e baixa cobertura de infraestrutura bancária

Os ataques a instituições financeiras representam um potencializador da baixa cobertura de infraestrutura bancária no RN. Segundo dados da Coordenadoria de Informações Estatísticas e Análises Criminais (COINE) da Secretaria da Segurança Pública e da Defesa Social do estado (SESED-RN), de Jan/2015 a Jun/2020 foram registradas 411 ocorrências policiais envolvendo ataques às instituições financeiras em todo o Rio Grande do Norte. Entre elas, foram registradas ações criminais como invasão, uso de explosivo/maçarico/lança de corte, arrombamentos e sequestros.

Embora bancos e demais instituições financeiras invistam em tecnologias sofisticadas para promover maior segurança em suas unidades, o fechamento de agências e postos de atendimento costuma ser a medida mais utilizada, tendo em vista os custos financeiros que esses ataques costumam causar às empresas. E o encerramento das atividades ou do funcionamento dos postos bancários tende a produzir maior impacto nas cidades interioranas que já apresentam menor cobertura de instituições financeiras em relação às cidades dos grandes centros. Ademais, importante destacar que o baixo efetivo policial, que em geral municípios de menor porte apresentam, contribui para um menor custo de oportunidade para práticas contra essas instituições, como os arrombamentos a caixas eletrônicos. E uma sucessão de ataques pode significar para muitos municípios uma perda de infraestrutura bancária por tempo indeterminado.

Ainda segundo dados do COINE/SESED-RN, de Jan/2015 a Jun/2020 foram registradas no Seridó 35 ocorrências policiais relativas a ataques a instituições financeiras (8,5% em relação ao total). Na região, os municípios de Cruzeta, Cerro Corá e São João do Sabugi apresentaram pelo menos dois ataques no período em análise, sendo o município de Serra Negra do Norte o mais afetado, com três ataques sofridos. Em Currais Novos, município com maior infraestrutura bancária do que boa parte da região, foi registrado apenas um ataque em 2015, que representa o período menos recente da série analisada.

A Figura 1 apresenta o índice de vulnerabilidade bancária por municípios, calculado como a razão entre o número de ataques às instituições financeiras ocorridos entre Jan/2015 a Jun/2020 e o total dessas instituições em maio de 2020. Cores mais escuras no mapa indicam maior vulnerabilidade do município para essa dimensão. Na figura também estão marcadas por uma linha delimitadora azul aquelas cidades que perderam infraestrutura bancária nos últimos cinco anos, ou seja, apresentaram registros de ataques em períodos anteriores mas não contavam com nenhuma agência ou posto de atendimento em maio de 2020.

Figura 1: Índice de vulnerabilidade bancária, Rio Grande do Norte, maio de 2020.

Conforme é possível observar, cidades de menor porte tendem a ser mais vulneráveis aos ataques a instituições financeiras do que municípios que apresentam maior relevância dentro de suas respectivas regiões. No caso de Currais Novos, por exemplo, vários dos municípios de seu entorno apresentaram alta vulnerabilidade, com destaque para Acari e Cerro Corá (Figura 1).

Também de acordo com a Figura 1, o total de municípios que sofreram algum ataque a instituições financeiras nos últimos cinco anos mas que em maio de 2020 não apresentavam nenhuma agência ou posto de atendimento foi igual a 11: Caiçara do Rio do Vento, Jundiá, Lajes Pintadas, Monte das Gameleiras, Pilões, Tibau, Ruy Barbosa, Senador Elói De Souza, São Fernando, Senador Georgino Avelino e Várzea. Desses, apenas São Fernando se localiza na Região do Seridó.

Desigualdades e perda de infraestrutura bancária no RN

A Figura 2 apresenta o número de instituições financeiras (agências e/ou postos de atendimento) para cada grupo de 10 mil habitantes[1]. Se levarmos em conta todos os tipos dessas instituições, verifica-se uma distribuição razoável entre os municípios potiguares. E inclusive com municípios de pequeno porte como São Bento do Norte, Almino Afonso, Triunfo Potiguar e Pedra Grande apresentando os maiores valores (cores mais escuras no mapa).

Figura 2: Número de instituições financeiras para cada grupo de 10 mil habitantes, Rio Grande do Norte, maio de 2020

Porém, se considerarmos apenas as agências bancárias, verifica-se um panorama distinto. É o que ilustra a Figura 3, que apresenta o número de agências bancárias por 10 mil habitantes além de destacar os municípios que perderam infraestrutura bancária nos últimos cinco anos (linha delimitadora azul no mapa).

Nesse caso, observa-se um padrão em que os municípios de maior porte das regiões que estão destacados com as cores mais escuras no mapa (maior número de agências bancárias por grupo de 10 mil habitantes) são circundados por municípios sem agências bancárias (cor branca) e/ou que perderam infraestrutura bancária (linha delimitadora azul).

Figura 3: Número de agências bancárias para cada grupo de 10 mil habitantes e municípios que perderam infraestrutura bancária, Rio Grande do Norte, maio de 2020

No Seridó em específico, observa-se que municípios que contam com infraestrutura de agências bancárias como Jucurutu, Caicó, Jardim do Seridó e Parelhas se encontram geograficamente mais próximos entre si, representando maiores opções de acesso a esses serviços aos municípios vizinhos que não contam com esse tipo de infraestrutura. Já no caso de Currais Novos, observa-se que todos os seis municípios potiguares limítrofes a ele não possuem agências bancárias, o que estimula uma circulação adicional de pessoas no município currais-novense para atendimentos em bancos. Com base nesse resultado, pode-se dizer que esse município é uma “ilha bancária” na Região do Seridó.

Embora muitas operações bancárias possam ser feitas via Internet, as experiências recentes de aglomerações de pessoas nas agências para recebimento do auxílio emergencial durante a pandemia por Covid-19 mostram que essas facilidades não se encontram ao alcance de todos. E nesse contexto, a sobrecarga do sistema bancário de Currais Novos pode ter se tornado ainda maior. 

Na Região do Seridó, em maio de 2020, apenas esse município e Caicó apresentavam agências e/ou postos de atendimento da Caixa Econômica Federal (uma agência e um posto de atendimento em cada um deles). Considerando que Caicó se localiza a cerca de 86 km do município currais-novense, possivelmente, o recebimento do auxílio emergencial durante a pandemia por Covid-19 tem sido um fator potencializador da sobrecarga da rede bancária de Currais Novos, e também, da circulação de pessoas neste município.

Baixos índices de distanciamento social no Seridó: repercussões sobre o avanço da Covid-19

Desde o início da pandemia, cidades importantes da Região do Seridó têm apresentado um dos menores níveis de adesão ao distanciamento social do estado. Conforme ilustrado pela Figura 4, seguindo tendência dos demais municípios potiguares, Caicó e Currais Novos atingiram o maior nível de distanciamento social no início da pandemia, mas que não se sustentou no tempo e decresceu para patamares abaixo de 40% no decorrer do tempo. Em que pese o fato de que em Currais Novos, a tendência do indicador de isolamento social foi de crescimento ao final do período analisado, enquanto em Caicó a tendência foi de queda na adesão ao distanciamento em fins de junho.

Figura 4: Tendência do indicador de isolamento social em municípios selecionados do Rio Grande do Norte,  01 de fevereiro a 25 de junho de 2020

A Figura 5 complementa essa informação apresentando um panorama da distribuição municipal e a evolução do indicador de isolamento social de 14 de junho a 25 de junho de 2020, e com destaque para a Região do Seridó. Cores mais escuras no mapa indicam menor adesão ao distanciamento social, e de acordo com o ilustrado,  essa foi uma característica predominante nos municípios dessa região sobretudo em dias úteis. 

Figura 5: Tendência do indicador de isolamento social no Rio Grande do Norte e com destaque para o Seridó, 14 a 25 de junho de 2020

Quando analisamos os dados epidemiológicos do estado, vemos que em relação a outras regiões o Seridó possui um dos menores coeficientes de incidência, ou seja, número de casos confirmados da Covid-19 por 100 mil habitantes. Porém, com tendência de crescimento desse indicador ao final do período, conforme demonstra a Figura 6.

Figura 6: Coeficiente de incidência por Territórios da Cidadania, 09 de março a 24 de junho de 2020

Considerando os dez municípios do Seridó com o maior número de casos da Covid-19 observamos que aqueles de menor porte na região se sobressaem quanto à evolução do coeficiente de incidência, como Serra Negra do Norte e Timbaúba dos Batistas (Figura 7). Além de serem vizinhos, esses municípios têm em comum o fato de fazerem divisa com Caicó, assim como os municípios de Cruzeta e Jardim do Seridó. No caso desses dois últimos, a tendência é de estabilização no indicador de coeficiente de incidência da Covid-19 ao final do período analisado.

Caicó apresentou ao final do período o terceiro maior coeficiente de incidência do Seridó, seguido por Jucurutu, localizado no Seridó Ocidental, e Currais Novos, situado no Seridó Oriental. Nenhuma das cidades limítrofes ao município currais-novense se situaram entre as cidades com maior número de casos da doença na região. Porém, o número de casos em Currais Novos tem aumentado sobretudo a partir da segunda quinzena de junho, e considerando a discutida dependência de vários municípios de sua infraestrutura bancária, o que implica quebra do distanciamento social, há potencial de avanço da Covid-19 também para essas localidades.

Figura 7: Coeficiente de incidência para os municípios do Seridó com maior número de casos da Covid-19, 09 de março a 24 de junho de 2020

Conclusões

Essa nota discutiu a interação entre concentração bancária e o avanço da Covid-19, com ênfase para o município de Currais Novos, localizado na Região do Seridó. O contexto é o reconhecido apagão bancário em vários estados do Nordeste, incluindo o Rio Grande do Norte, em que 27% de seus municípios não apresentam agências ou postos bancários em 2020. Verificou-se por meio da elaboração de um indicador de vulnerabilidade bancária que os ataques às instituições financeiras potencializam a baixa infraestrutura de instituições financeiras no RN,  sobretudo nos municípios de pequeno porte.

Nesse contexto de concentração da rede bancária em cidades de maior porte em suas respectivas regiões, verifica-se em especial para o município de Currais Novos a representação de uma “ilha bancária” na Região do Seridó, sobretudo em sua porção oriental. Identificou-se um potencial de aumento da sobrecarga da infraestrutura bancária do município currais-novense com os pagamentos do auxílio emergencial à população de baixa renda durante a pandemia.

Verificou-se que o Seridó e suas principais cidades (Caicó e Currais Novos) apresentam desde o início da pandemia um dos menores níveis de distanciamento social do estado. E isso pode estar relacionado à baixa infraestrutura bancária na região e à dependência dos demais municípios seridoenses aos serviços prestados por essas duas cidades pólo.

Com relação ao avanço da Covid-19 no Seridó, municípios próximos ou vizinhos à Caicó apresentam os maiores coeficientes de incidência da doença. Em Currais Novos, a incidência de Covid-19 para cada grupo de 100 mil habitantes é crescente, sendo o quinto maior da região.  Apesar dos municípios do entorno de Currais Novos não se encontrarem no grupo das dez cidades com maiores coeficientes de incidência do Seridó, eles apresentam risco potencial de avanço da doença, tendo em vista a estreita relação que elas estabelecem com Currais Novos em termos de prestação de serviços, como os bancários.

Por fim cabe destacar a fonte de dados utilizada para construir os indicadores epidemiológicos. Foram utilizadas informações epidemiológicas disponibilizadas pela Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap/RN) e que se encontram disponíveis para acesso público. As informações foram submetidas a procedimentos estatísticos, porém, ressalta-se que foram encontradas inconsistências no preenchimento de informações como a data de notificação da doença, e com importante variabilidade municipal. É importante que isso seja levado em conta nas análises relacionadas ao nível de casos e óbitos por Covid-19 para unidades geográficas menores.

Ivanovitch Silva – Professor adjunto do Instituto Metrópole Digital da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (IMD/UFRN) e vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica e de Computação (PPgEEC/UFRN)

Luciana Lima – Professora adjunta do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (DDCA/UFRN) e vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Demografia (PPgDEM/UFRN).

Ivenio Hermes Junior – Coordenador de análises criminais do Governo do Estado do Rio Grande do Norte e Doutorando em demografia pelo Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Patricia Takako Endo – Professora adjunta da Universidade de Pernambuco (UPE) e membro permanente do Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Computação (PPGEC/UPE).

Marcel Ribeiro-Dantas – Pesquisador no Institut Curie (UMR168), Mestre em Bioinformática (UFRN) e doutorando na L’école doctorale informatique, télécommunications et électronique (EDITE) da Sorbonne Université (Paris).

Gisliany Alves – Graduada em Ciências e Tecnologia e em Engenharia de Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e mestre em Engenharia Elétrica e de Computação (UFRN).

Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19] https://demografiaufrn.net/onas-covid19


[1] Fonte dos dados da população projetada para 2020: FREIRE, F.H.M.A; GONZAGA, M.R; QUEIROZ, B.L. Projeção populacional municipal com estimadores bayesianos, Brasil 2010 – 2030. In: Sawyer, D.O (coord.).  Seguridade Social Municipais. Projeto Brasil 3 Tempos. Secretaria  Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/SG/PR) , United Nations Development Programme, Brazil (UNDP) and International Policy  Centre for Inclusive Growth. Brasília (IPC-IG), 2019.

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