Em um momento em que o número de casos confirmados de Covid-19 no mundo se aproxima da cifra de 5 milhões, observa-se simultaneamente uma escalada no número de óbitos. Em todo o mundo já são mais 320 mil mortes pela Covid-19 e, no Brasil, mais de 16,7 mil casos fatais. O surgimento da Covid-19 como uma emergência de saúde pública pela Organização Mundial da Saúde (OMS) levou os governantes a adotarem várias medidas preventivas e de mitigação, como quarentenas, distanciamento social ou, em alguns casos, bloqueio total em regiões ou países ao redor do mundo. Todas essas medidas são baseadas em diferentes níveis de isolamento das pessoas. Medidas que poderão, em curto e longo prazo, gerar sérios efeitos sobre a saúde mental da população.
Diante desse contexto, a saúde mental dos indivíduos tem sido um tema que desperta a preocupação da OMS. Os efeitos na saúde mental já foram associados a outros surtos de doenças infecciosas, incluindo a epidemia de síndrome respiratória aguda grave (em inglês: SARS – severe acute respiratory syndrome epidemic), em 2003, e a influenza A (H1N1), em 2009. No caso da Covid-19, principalmente no Brasil, manter o emprego e ganhar a vida tornam-se grandes agravantes, especialmente para aqueles que já estão em uma situação de maior vulnerabilidade, potencializando maiores níveis de estresse e ansiedade. Além disso, limitar o acesso a atividades diárias normais, não apenas para o trabalho, mas a ausência de interações sociais costumeiras com outras pessoas pode provocar problemas de saúde mental e enfraquecer a saúde física para aqueles que já lutam para manter uma boa saúde e bem-estar.
Assim, discute-se que a pandemia não é apenas de uma doença que afeta a saúde individual, mas também o sistema de saúde, a economia, as relações sociais. Um efeito colateral adicional e que pode persistir por muito mais tempo do que a própria pandemia da Covid-19 são os problemas de saúde mental decorrentes dela. Podemos ter um aumento no número de pessoas com problemas de depressão, transtorno de ansiedade e dependência de substâncias químicas.
Parte dos trabalhadores têm que conciliar as demandas do trabalho em casa com a sobrecarga dos afazeres doméstico (principalmente as mulheres). Assim, os trabalhadores são responsáveis pela manutenção de uma estrutura de trabalho no próprio domicílio, exigindo espaço adequado para realizar atividade laboral por longas horas, além de compartilhar essa situação com outros moradores e outras atividades cotidianas.
Um outro grupo é o dos profissionais que estão se expondo ao risco de contágio por trabalhar em serviços essenciais (profissionais da saúde, entregadores, atendentes, trabalhadores domésticos) exigindo um maior esforço no cuidado de si e dos familiares, no qual nem sempre é possível manter um distanciamento social devido as condições de moradia.
Essa situação também pode elevar o nível de estresse relacionados a convivência familiar. Além destes, temos uma outra parcela da população que está desempregada, sem renda ou que tiveram perdas significativa de seus rendimentos, que sofrerão uma maior pressão para manter a sua sobrevivência e em situação de maior vulnerabilidade.
O filósofo coreano Byung-Chul Han, em seu livro a “Sociedade do Cansaço”, acredita que as doenças mentais como a depressão, ansiedade e síndrome de Burnout, são consequências dos valores da sociedade atual, que ele caracteriza como “sociedade do cansaço ou do desempenho”. Expondo de forma muito suscinta a ideia deste autor, seria uma sociedade com excesso de positividade, onde predomina a concepção de que o indivíduo é responsável pelo seu próprio sucesso e produtividade. Porém, ao sofrer a pressão para atingir as expectativas desse desempenho e estimulado a superar a si mesmo, este é levado também ao esgotamento.
Nesse sentido, trazendo para o contexto atual da pandemia da Covid-19, esses valores poderão ser acentuados em razão do confinamento, exigindo um desempenho ainda maior entre os profissionais que estão em home office, entre os que estão na linha de frente no combate a pandemia, e que estão em situação de vulnerabilidade. Porque sofrerão uma maior pressão para elevarem o seu desempenho e pela responsabilidade da sua própria sobrevivência, conduzindo a esse esgotamento mental diante de um contexto de tantas incertezas.
De acordo com relatório de 2018 da OMS (Organização Mundial da Saúde), os transtornos mentais, neurológicos, o uso de determinadas substâncias e o suicídio, correspondem a um terço da incapacidade total e mortalidade na Região das Américas. A depressão e a ansiedade aparecem como responsáveis pela maior carga da incapacidade total referente ao subgrupo de transtornos mentais, sendo mais prevalente em pessoas com idade entre 15 a 49 anos.
Dentre os países das Américas, o Brasil aparece em primeiro lugar em relação à presença de carga de incapacidade total por transtornos de ansiedade (7,5%) e em segundo lugar por depressão (9,3%), ficando atrás do Paraguai (9,4%). Outro dado importante é que, segundo um estudo realizado pela Funcional Health Tech, no Brasil, entre os anos de 2014 e 2018, verificou-se um aumento de 23% no consumo de medicamentos antidepressivos, sendo as mulheres na faixa dos 40 anos as principais consumidoras.
Segundo os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, entre os anos de 2015 e 2018, registrou-se no Nordeste 11.056 mortes por suicídio. Mas uma informação relevante e que converge com as medidas de distanciamento social necessárias para o combate à pandemia da Covid-19 é o fato de que a maior parte destes suicídios ocorrem dentro do domicílio. Considerando-se os diferenciais por sexo para as pessoas com mais de 15 anos de idade a maior parcela dos óbitos foi de homens, com uma variação entre 78% e 83% entre as Unidades da Federação (ver Figura 1).
A sobremortalidade masculina ocorre principalmente em função do maior cuidado que as mulheres têm com a sua saúde, bem como, por buscarem mais ajuda para resolver e compartilhar os seus problemas. As questões de saúde mental ainda são um tabu para a sociedade brasileira e é mais fortemente disseminada entre a parcela masculina. Além disso, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, que é considerado como uma das principais causa de risco, é mais comum entre homens.

Ao considerar a distribuição etária dos óbitos, nota-se que a maior parte ocorre nas idades entre 15 e 49 anos (Figura 2). A despeito das diferenças nos níveis das curvas ao longo das idades, observa-se que o suicídio ocorre nas idades onde as pessoas estão mais ativas economicamente, momento da vida em que é preciso lidar com diferentes problemas relacionados ao trabalho, família e relacionamentos. Diante disto, se faz necessário obter informações sobre os efeitos do distanciamento social motivado pela pandemia e sua relação com a saúde mental da população. Não apenas durante, mas também após o período de maior confinamento.
O principal ponto é que, embora as doenças mentais representem ações de caráter individual, as suas repercussões são de efeito coletivo e de longo prazo. Isso porque a maioria das pessoas terão que lidar com diferentes problemas e situações, devido as mudanças nas configurações de trabalho, por exercer atividades laborais com maior exposição de risco ao vírus, situações de desemprego, além de lidar com os conflitos no ambiente familiar decorrentes do confinamento. Além disso, mesmo sendo óbvio, é preciso lidar com o luto individual e coletivo que as mortes causadas pela Covid-19 adicionarão ao dia-a-dia da população por semanas e meses.

Esse contexto tende a elevar as pessoas a um nível de exigência e estresse ainda maior em relação àquelas que já conviviam antes da pandemia. Lembrado que o grupo etário de maior risco são aqueles que estão em idade economicamente ativa. Portanto, as pessoas que estavam em um processo de problema de transtorno de ansiedade, depressão e uso abusivo de substâncias químicas, tendem a ter seus quadros agravados, contribuindo para um aumento dos casos de suicídio durante ou após a pandemia. Outros poderão desenvolver algum tipo de quadro de ansiedade ou depressão, podendo ficar afastado de suas atividades laborais. Por isso, é importante refletir sobre políticas públicas, sobretudo entre os homens, para dar suporte a essas pessoas e auxiliar no enfrentamento destes efeitos colaterais pouco visibilizados da pandemia.
Por fim, o impacto do isolamento e da solidão não deve ser subestimado ou cair no final das listas de prioridades das ações políticas, pois a inação agora levará a altos custos humanos e financeiros mais tarde. Os fortes argumentos sociais e econômicos devem ser suficientes para convencer os tomadores de decisão de que eles também precisam tomar medidas urgentes para minimizar os efeitos das medidas de distanciamento social, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade. Desenvolver intervenções eficazes, incluindo medidas de prevenção, não é uma tarefa fácil durante uma emergência de saúde pública, quando as prioridades precisam ser redefinidas e os gastos públicos precisam ser realocados com urgência.
A possibilidade de sessões de conversa on-line com um profissional de saúde ou um psicólogo é uma ação concreta que pode ajudar a reduzir a ansiedade e o pânico e superar os sentimentos de estar sozinho ou impotente. Iniciativas diversas tem sido tomadas nessa direção e a UFRN contém algumas delas. Discussões temáticas virtuais e atividades em grupo oferecidas por assistentes sociais também podem ajudar a combater esses efeitos psicológicos do distanciamento social.
Enfim, existem iniciativas, mas de modo geral não percebemos uma articulação proveniente das estruturas governamentais no enfrentamento dessa situação. Embora seja compreensível, diante da emergência ao combate da Covid-19, não podemos deixar de ter um planejamento de médio e longo prazo para os inúmeros efeitos indiretos que ocorrerão no contexto pós-pandêmico. Como vimos, a maioria dos suicídios ocorre dentro dos domicílios. O contexto geral da pandemia agrava as condições pré-existentes de saúde mental e, ainda, pode haver uma ampliação dos casos. Se o poder público orienta para o distanciamento social e que as pessoas fiquem em casa, criar ações de tratamento e acompanhamento da saúde mental decorrente dessas medidas não é apenas recomendável, mas é obrigação do Estado.
Denise Evelyn Mendonça Pimentel – Doutoranda em demografia do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
José Vilton Costa – Demógrafo, professor do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19] https://demografiaufrn.net/onas-covid19