Em análise anterior no ONAS-Covid19, apresentamos os dados de hospitalizações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) para nos ajudar a entender o nível de subnotificação dos casos graves de Covid-19. Quando o quadro da doença causadas pelo novo coronavirus “Sars-CoV-2” evolui, o quadro leva a uma hospitalização que é classificada como SRAG e a FioCruz dispõe de um sistema de dados específicos para ela (InfoGripe/FioCruz), disponibilizando para download os dados agregados e segundo algumas variáveis como sexo, idade, testagem, etc. A análise anterior do ONAS-Covid19 detalhou a comparação entre os casos notificados de SRAG nas primeiras semanas epidemiológicas de 2019 e 2020 para avaliar, por Unidades da Federação do Nordeste, como houve um aumento expressivo nas internações por SRAG no ano de 2020 em relação a 2019.
É reconhecida a dificuldade que os países vêm enfrentando para realizar os testes para a Covid-19 de maneira massiva. Sendo assim, o que vem ocorrendo no Brasil é a testagem dos casos mais graves e entre os profissionais de saúde diretamente em contato com pacientes suspeitos ou confirmados da Covid-19. Mesmo nos casos suspeitos que vieram a óbito, os testes são insuficientes e fica em aberto se as mortes decorrentes das hospitalizações por SRAG não tenham sido motivadas pela ocorrência do Sars-CoV-2. Outra dificuldade diz respeito ao próprio registro das informações no sistema do InfoGripe, pois diante do aumento da demanda por atendimentos no contexto da Covid-19, a capacidade dos profissionais de saúde em alimentar o sistema torna-se reduzida. Com isso, pode haver um atraso maior do que o normal na atualização dos dados mais recentes.


Analisando os dados históricos de hospitalizações por SRAG, percebemos que há uma descontinuidade significativa no ano de 2020. Comparando os dados apenas das primeiras 15 semanas epidemiológicas (veja o que são as semanas epidemiológicas) de cada ano, os Gráficos 1 e 2 deixam evidente que na região Nordeste o número de casos notificados de hospitalizações por SRAG é muito maior em 2020. Para o Rio Grande do Norte, apesar da diferença de níveis, as tendências são muito próximas. Para o NE, o total de casos registrados em 2020 até agora é equivalente ao acumulado de casos entre 2015 e 2019. Ou seja, somando-se os casos de hospitalização por SRAG nas 15 primeiras semanas epidemiológicas dos anos de 2015 a 2019 temos o equivalente ao total de casos registrados apenas nesse mesmo período em 2020. Segundo outras análises, é muito provável que esses casos de SRAG que não obtiveram confirmação de teste para qualquer outro vírus, seja essencialmente decorrente da Covid-19. Mas vale ainda destacar a mudança no perfil demográfico das hospitalizações por SRAG. A Figura 1 ilustra as pirâmides etárias das hospitalizações por SRAG no Nordeste nas primeiras 15 semanas epidemiológicas de cada ano entre 2012 e 2020.

O que se percebe pela distribuição percentual dos casos de SRAG segundo sexo e idade dos pacientes é que nos anos anteriores havia uma predominância entre as crianças, especialmente abaixo de 2 anos de idade. Em quase todos os anos é esse o grupo de idade com maior contribuição e também é possível perceber maior concentração de casos entre meninos (barras à esquerda das pirâmides). O que se percebe em 2020 é uma mudança nesse perfil demográfico, pois o grupo de idade com maior proporção de casos passa a ser o de maiores de 60 anos de idade. Ou seja, muda-se o grupo populacional mais afetado por quadros graves. O grupo de 60 anos e mais apresentava uma média de hospitalizações (sempre considerando as primeiras 15 semanas epidemiológicas) nos últimos 10 anos da ordem de 12%, mas em 2020 essa proporção foi de 36%.

Cerca de 58% dos casos de hospitalização com resultado de testes em 2020 para o Nordeste deram positivo para Sars-CoV-2, enquanto no Rio Grande do Norte são 71%. Mas essa distribuição é resultado de uma cobertura de apenas 36,3% dos casos que testaram positivo para alguma virose. Outros 29,2% dos casos ainda aguardam resultado e 23,9% dos casos foram negativos para quaisquer vírus. Se os casos ainda aguardando resultado tenham a mesma distribuição dos positivos, teríamos uma proporção mais expressiva de confirmações de Covid-19. Considerando as informações de óbitos relacionados à SRAG, 19% dos casos no Nordeste constam como aguardando resultado ou sem teste. Daqueles testados positivamente para algum vírus, 85% foram confirmados para Covid-19, sendo 14% confirmados para Influenza A e B. No Rio Grande do Norte, 80% dos testes positivos foram confirmados pela Sars-CoV-2 e 6 aguardavam resultado ou não foram testados.
É muito possível que não sejamos capazes de realizar uma ampla testagem para o novo coronavirus a tempo de realizar diagnósticos para a tomada de decisões. Isso seria muito importante, por exemplo, para decidir sobre a manutenção ou não de medidas de isolamento social e abertura e fechamento de atividades produtivas. Afinal, diante da subnotificação muito elevada (que segundo estimativas pode ser da ordem de 90%), como saber em que estágio da evolução da curva de infecção estamos para decidir relaxar medidas de isolamento? Portanto, avaliar com maior detalhes a evolução e o perfil da SRAG seria uma boa aproximação para entender a complexidade das ações de combate à Covid-19.
Ricardo Ojima – Demógrafo, professor do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19] https://demografiaufrn.net/onas-covid19