Pandemia por Covid-19 e repercussões sobre a fecundidade: algumas observações históricas e de contexto

Episódios de alta mortalidade, como aqueles provocados por guerras, catástrofes naturais ou pandemias como o novo Coronavírus, que até o presente momento já produziu cerca de 42 mil mortes em todo o planeta, pode repercutir também sobre a fecundidade. De acordo com uma revisão bibliográfica realizada pelo Institute for Family Studies, um centro de estudos do Reino Unido, em outros eventos catastróficos verificou-se redução do número de nascimentos. São citados como alguns desses eventos o furacão Katrina, que em 2005 matou cerca de 1.800 pessoas nos EUA, e a epidemia de Ebola, iniciada em 2013 no Oeste da África e que produziu cerca de 11.000 óbitos. Uma importante observação desse instituto é que o impacto na redução da natalidade não é diretamente proporcional ao impacto da mortalidade que essas crises provocam, ou seja, não significa que um evento que tenha ceifado a vida de 5% da população reduza a fecundidade também em 5%.

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De acordo com esse instituto, os sobreviventes colaterais sofrerão com os impactos da alta mortalidade em diversas esferas de sua vida social: muitos deles terão que recobrar a saúde duramente afetada, muitos perderão seus empregos, terão que recomeçar do zero em seus empreendimentos, e do ponto de vista psicológico, muitos terão que aprender a lidar com a perda de entes queridos, como filhos, cônjuges, pais, e demais pessoas de suas redes de relações interpessoais. Esse contexto social disruptivo pode levar à redução da fecundidade no curto prazo. Porém, com o fim do período de crise os estudos apontam aumento do número de nascimentos.

Este foi o caso da Gripe Espanhola, ocorrida no início do século XX, em que foram contabilizadas cerca de 50 milhões de mortes em todo o mundo. Um estudo publicado em 2017 voltou-se para os impactos dessa doença na Suécia. Naquela localidade em que cerca de 1% da população faleceu em decorrência da Gripe Espanhola, a taxa bruta de natalidade (que consiste no número de nascimentos para cada grupo de 1.000 habitantes) declinou durante a pandemia. Porém, o estudo mostra um claro aumento da natalidade na Suécia em 1920, ou seja, no primeiro ano após o fim do período de crise. Todavia, esse babyboom não ocorreu de maneira homogênea no país, tendo sido observado que nos distritos mais duramente afetados esse aumento no número de nascimentos foi menos intenso, e por pelo menos um período de 10 anos. Ou seja, eventos de alta mortalidade como a gripe espanhola parecem deixar marcas profundas e duradouras sobre o comportamento reprodutivo da população.

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Voltando à nossa situação atual, nos próximos anos, e com a condução de estudos nessa linha para os efeitos do novo Coronavírus sobre a fecundidade, saberemos se o número de nascimentos aumentou, diminuiu ou permaneceu o mesmo e para países de diversas partes do mundo. Todavia, cabe salientar que o contexto de eclosão do COVID19 é diferente do contexto da Gripe Espanhola no que ser refere à natalidade. No mundo em que vivemos a tendência dominante é de redução da fecundidade, graças a fatores como a ampla disseminação e utilização de métodos contraceptivos de alta eficácia. Os casais têm optado cada vez mais por uma prole pequena, em torno de dois filhos ou menos, e muitos indivíduos não desejam ter filhos.

Para efeito de comparação e com base em dados para o conjunto da população mundial, se no início da segunda metade do século XX o número médio de filhos por mulher era igual a cinco, na segunda metade do século XXI essa estatística se reduziu pela metade, ou seja, 2,5 filhos. E no caso específico dos países já acometidos drasticamente pelo novo Coronavírus, como a Itália, a taxa de fecundidade total já se encontra em níveis muito baixos, cerca de 1,3 filho por mulher. Esse novo contexto em termos de natalidade pode ter implicações distintas àquelas observadas em outros episódios registrados na história de alta mortalidade, sobretudo, no chamado efeito rebote de nascimentos pós período de crise. Aguardemos os próximos estudos que virão.

Luciana Lima – Demógrafa, professora do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Socioemográfica da Covid-19https://demografiaufrn.net/onas-covid19

 

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