Circula pelas redes sociais uma publicação sugerindo que os registros de mortes relacionados à Covid-19 são sobre-estimados. Em uma tentativa de minimizar a gravidade da situação e, com isso, justificar que há uma histeria construída pela mídia e governos acerca da letalidade da doença causada pelo novo coronavírus. É verdade que sempre há uma dificuldade em se registrar adequadamente as causas de mortalidade em qualquer população, mas via de regra, os problemas tendem a ser na direção do sub-registro. Principalmente em relação a uma doença nova, a chance de se ter registros menores do que aqueles que efetivamente ocorrem é maior.

primo-do-porteiro-3-768x768

“Gente! O primo do porteiro aqui do prédio morreu porque foi trocar o pneu do caminhão e o pneu estourou no rosto dele. Receberam o atestado de óbito como se fosse a covid-19 [doença causada pelo coronavírus]. Eles estão indignados” [texto encontrado nas redes sociais]

Isso ocorre porque na ausência de testagem para todos e pela velocidade com que a doença tem acometido os casos graves, corre-se o risco de que não se tenha tempo de se fazer o teste para a Covid-19 durante o tratamento dos casos que os pacientes chegam com síndrome respiratória aguda grave nos hospitais e pronto-socorros. Embora sejam considerados casos suspeitos, nem sempre são testados. Portanto, justifica-se o sub-registro.

Mas vale destacar que o registro de causas de óbito são feitas sempre por um médico. Existe um protocolo que segue instruções da Organização Mundial da Saúde para orientar e padronizar os dados de forma que sejam comparáveis entre países, inclusive. No formulário da Declaração de Óbito emitida pelo hospital existem campos dedicados ao registro da causa básica e das causas associadas. A causa básica é “a doença ou lesão que iniciou a cadeia de acontecimentos patológicos que conduziram diretamente à morte, ou as circunstâncias do acidente ou violência que produziram a lesão fatal” (Ministério da Saúde, 2019).

Sendo assim, mesmo que o indivíduo que veio a óbito decorrente do acidente com o estouro do pneu do caminhão tivesse sido testado positivo para Covid-19, a causa básica de morte seria registrada como essa causa externa. Afinal, o agravo de saúde que levou à morte do suposto porteiro foi o acidente e não teve relação com o novo coronavírus. Portanto, não é crível que um médico, mesmo em meio à um momento de pressão sobre o sistema de saúde viesse a fazer um registro equivocado dessa natureza, pois são qualificados, recebem treinamento para isso e sabem da grande responsabilidade que têm no registro das informações para fins de planejamento das ações de saúde pública.

Ricardo Ojima, docente do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Confira essa e outras análises demográficas também no ONAS-Covid19 [Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da Covid-19] https://demografiaufrn.net/onas-covid19

Uma resposta para “O “primo do porteiro” e o registro de causa básica de morte”.

  1. Avatar de Othelo de veneza
    Othelo de veneza

    O incrível é que profissionais sérios e qualificados como o professor Ricardo Ojima tenha que se ocupar de esclarecer à população que uma postagem no Twitter é mais uma tentativa de enganar a população. Ao mesmo tempo, foi uma oportunidade para ensinar-nos quais os procedimentos de elaboração de atestado de óbito, o qual é um documento público, no qual o profissional médico responde criminalmente quando preenche o formulário de maneira errada.

    Curtir

Deixe um comentário

Siga nossas redes

PPGDem

Este é o blog da Demografia UFRN. Aqui temos divulgação científica, análises demográficas, projetos de pesquisa e outros assuntos do programa de pós-graduação em demografia da UFRN. Siga e fique por dentro.

ABEP (8) Aluno Especial (3) Capes (3) CNPq (3) Covid-19 (18) demografia (176) desigualdade de gênero (3) divulgação científica (84) doutorado (3) editorial (14) Egressos do PPGDem (3) envelhecimento (3) extensão universitária (4) fecundidade (4) Feminicidio (4) mercado de trabalho (4) migração (8) mortalidade (4) natalidade (4) ONAS (18) ONAS-Covid19 (14) podcast (64) população (55) população e meio ambiente (3) PPGDem (160) Processo Seletivo (10) Produtividade em Pesquisa (3) pós-graduação (3) QD (4) quartas demográficas (5) rasgai (6) rasgaí (61) semiárido (4) Suicídio (3) sustentabilidade (3) trabalho doméstico (4) ufrn (6) urbanização (3) violência (3) violência contra a mulher (3)