A pesquisa de mestrado de Karen Raquel Ferreira do Nascimento analisou se houve relação entre a pandemia de Covid-19 e os homicídios de mulheres no Brasil. A ideia partiu da identificação, no início da pandemia, de um aumento no registro de casos de violência doméstica, justificada no senso comum pelas medidas de confinamento para conter o espalhamento do vírus. Para entender melhor essas relações, Karen e sua orientadora, Karina Cardoso Meira, utilizaram uma análise de série temporal interrompida para avaliar a evolução dos homicídios femininos entre janeiro de 2017 e 2022 e os resultados demonstram um crescimento abrupto de 7,8% no início da pandemia no Brasil e 19,3% na região Nordeste, seguido por uma queda gradual nos meses subsequentes.

A pesquisa destaca que o domicílio foi o local predominante para esses crimes, refletindo o agravamento da violência doméstica durante os períodos de isolamento. A maior parte dos homicídios ocorreu entre adolescentes e mulheres jovens, sendo que as armas de fogo foram o método mais frequente. Essa tendência pode estar relacionada à flexibilização do Estatuto do Desarmamento, promovida pelo governo durante o período estudado, facilitando o acesso às armas.
Diferenças entre faixas etárias, método e local de ocorrência
O estudo também revelou diferenças significativas entre as faixas etárias das vítimas. As taxas de homicídios foram mais elevadas entre adolescentes (15 a 19 anos) e mulheres jovens (20 a 39 anos), enquanto mulheres de meia-idade e idosas apresentaram menores coeficientes de vitimização. Esse padrão está relacionado à maior exposição de mulheres mais jovens a violência de parceiros íntimos e ao contexto de criminalidade urbana.
Quanto ao local de ocorrência, os homicídios cometidos dentro de casa superaram os registrados em espaços públicos. Durante a pandemia, o confinamento intensificou o risco para mulheres que já viviam em situação de violência doméstica, tornando suas residências locais ainda mais perigosos. No entanto, os homicídios em vias públicas também aumentaram no início da pandemia, revelando que a violência contra mulheres não se restringe ao âmbito privado.
No que diz respeito ao método de execução, os homicídios com uso de armas de fogo tiveram um crescimento significativo no período inicial da pandemia, seguidos por uma tendência de queda. Em contrapartida, os homicídios cometidos com objetos cortantes ou contundentes apresentaram uma dinâmica inversa: houve uma queda inicial, seguida por um aumento progressivo. Esse fenômeno sugere mudanças nos padrões de violência ao longo do período pandêmico, possivelmente relacionadas às condições sociais e ao acesso a armas.
Comparativo com outros países
Os efeitos da pandemia sobre os homicídios de mulheres variaram entre os países. No Brasil, houve um aumento inicial seguido por uma redução progressiva, enquanto em outros países da América Latina, como Chile, México e Peru, foi identificado um padrão em “U”. Ou seja, as taxas de homicídios femininos caíram no início da pandemia, mas voltaram a subir posteriormente, atingindo níveis semelhantes ou superiores aos do período pré-pandêmico.
Na Europa, estudos realizados na Espanha e na Turquia indicaram que as taxas de feminicídio permaneceram estáveis, mas houve um aumento expressivo nas denúncias de violência doméstica. Nos Estados Unidos, apesar da manutenção das taxas de homicídios femininos, verificou-se um aumento significativo na aquisição de armas de fogo e em relatos de ameaças contra mulheres dentro de casa.
Embora esses dados apontem para diferentes padrões regionais, um fator comum é que a pandemia exacerbou a violência de gênero globalmente. As restrições de mobilidade, o aumento do consumo de álcool e drogas e a sobrecarga nos sistemas de saúde e segurança dificultaram a proteção das mulheres em situação de risco.
Implicações e desafios futuros
Apesar da aparente queda nas taxas de homicídios, as pesquisadoras alertam que a violência de gênero continua sendo um problema crítico no Brasil. O estudo reforça a importância de fortalecer os sistemas de notificação, ampliar a proteção às vítimas e investir em estratégias intersetoriais para combater essa violência de forma efetiva. A redução nas taxas não significa uma melhoria no quadro geral, mas sim uma mudança na forma como os dados são registrados e interpretados.
Diante desse panorama, especialistas defendem a adoção de medidas urgentes para mitigar os impactos da violência de gênero no Brasil. Entre as principais recomendações estão a criação de mecanismos mais eficientes de monitoramento, a ampliação das redes de acolhimento para mulheres em situação de risco e a adoção de políticas públicas que enfrentem as causas estruturais da violência.
A dissertação de Karen Raquel Ferreira do Nascimento pode ser acessada no repositório institucional e pode ser consultada através do link.







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