O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – divulgou os resultados preliminares do Censo Demográfico de 2022 em 28 de julho de 2023. A população residente no Brasil foi contabilizada em 203,1 milhões de pessoas, 4,7 milhões abaixo do estimado pelo próprio IBGE na prévia da pesquisa, anunciada em dezembro de 2022 (ver Tabela 1). Em relação a 2010, a população registrou taxa de crescimento geométrico anual de 0,52%, a menor da série histórica. Tal diminuição do ritmo de crescimento não tem uma causa única, mas é resultado de uma série de fatores inter-relacionados, como a queda da taxa fecundidade, a pandemia da covid-19 e, possivelmente, um saldo migratório internacional negativo. Todos estes fatores demográficos estão atrelados fortemente com as mudanças sociais, políticas e econômicas que o país viveu nestes 12 anos que separam os dois levantamentos censitários.

As regiões do Brasil, por sua vez, apresentam populações e taxas de crescimento bastante distintas (Tabela 1), fruto de uma combinação de fatores, incluindo a economia local, oportunidades de emprego, migração e taxas de natalidade diferentes em cada uma delas, além da história particular dos processos históricos de povoamento e urbanização. A Região Sudeste continua sendo a mais populosa, com 84,9 milhões de habitantes, mas com taxa de crescimento de 0,45% ao ano, um pouco abaixo da média nacional. A Região Nordeste, com 54,6 milhões de pessoas, ainda ocupa a segunda posição nesse ranking, mas com diminuição de participação no todo, uma vez que sua taxa de crescimento foi a menor do país, com 0,24% anuais. A região Sul, que tem uma economia fortemente baseada na agricultura, indústria e serviços, tem a terceira maior população, de 29,9 milhões, e uma taxa de crescimento de 0,74%, sugerindo que as oportunidades de trabalho nesta região podem estar atraindo pessoas de outras áreas. A região Norte, apesar de ter a segunda menor população entre todas as regiões, com 17,4 milhões, apresenta uma taxa de crescimento de 0,75%, acima da região Sul e acima da média nacional. Esta região é conhecida por suas indústrias de mineração e agricultura. A expansão dessas indústrias pode estar atraindo mais trabalhadores para a região, contribuindo para o aumento da população, apesar dos conflitos políticos, sociais e danos ao meio ambiente causados por essa expansão. Finalmente, a região Centro-Oeste tem a menor população, com cerca de 16,3 milhões, mas a taxa de crescimento mais alta, 1,23%. Esta região tem experimentado um boom no setor agroindustrial, que pode estar atraindo uma força de trabalho de outras regiões.

Tabela 1 – Brasil e Grandes Regiões. População residente e taxa de crescimento geométrico de 2010 a 2022.

Ano – 2022
Brasil e Grande RegiãoVariável
População residente (Pessoas)Taxa de crescimento geométrico (%)
Brasil203.062.5120,52
Norte17.349.6190,75
Nordeste54.644.5820,24
Sudeste84.847.1870,45
Sul29.933.3150,74
Centro-Oeste16.287.8091,23
Fonte: IBGE – Censo Demográfico

A região Nordeste, embora tenha uma população considerável, apresenta a menor taxa de crescimento, 0,24%, como visto. Historicamente, esta região enfrenta desafios econômicos e sociais, e a inércia dos movimentos emigratórios que leva nordestinos para outras regiões há décadas, associada à falta de oportunidades de emprego, pode estar na explicação desse baixo crescimento. A relação entre o baixo crescimento populacional e saldo migratório negativo só poderá ser confirmado após a divulgação dos resultados completos do Censo Demográfico de 2022, mas é uma hipótese a se considerar, pois esta região tem a segunda maior taxa de fecundidade do Brasil e a terceira menor taxa de mortalidade. Ou seja, maior número de saídas do que entradas de pessoas na região no período intercensitário pode ter grande peso na explicação do baixo crescimento observado.

Importante salientar o desempenho destoante de Sergipe (Tabela 2), que há décadas vem apresentando saldo migratório positivo, e, apesar da menor população da região, registrou a maior taxa de crescimento entre 2010 e 2022, com 0,55% ao ano, único estado do Nordeste com taxa acima da média nacional. Paraíba, apesar de crescer abaixo da média nacional, figura na segunda posição regional em termos de crescimento, com uma taxa de 0,45% anual. Rio Grande do Norte, que vinha acompanhando Sergipe em termos de crescimento baseado em saldos migratórios positivos até 2010, teve um crescimento intermediário pelos padrões da região, com 0,35% ao ano. O ritmo de crescimento do Ceará (0,33% a.a.), e Piauí (0,39% a.a.) também podem ser classificados como intermediários.

Tabela 2 – Estados da Região Nordeste. População residente e taxa de crescimento geométrico de 2010 a 2022

Ano – 2022
Unidade da FederaçãoVariável
População residente (Pessoas)Taxa de crescimento geométrico (%)
Maranhão6.775.1520,25
Piauí3.269.2000,39
Ceará8.791.6880,33
Rio Grande do Norte3.302.4060,35
Paraíba3.974.4950,45
Pernambuco9.058.1550,24
Alagoas3.127.5110,02
Sergipe2.209.5580,55
Bahia14.136.4170,07
Fonte: IBGE – Censo Demográfico

Alagoas, segunda menor população do Nordeste e fronteiriça a Sergipe, assim como Bahia, que tem a maior população da região, registraram as menores taxas de crescimento, com 0,02% e 0,07% ao ano, respectivamente. Apesar de terem registrado taxas um pouco mais elevadas, Pernambuco (0,24% a.a.) e Maranhão (0,25% a.a.) completam a lista dos estados com baixo ritmo de crescimento populacional no Nordeste. Reitera-se a necessidade de aguardar os resultados completos do Censo de 2022 para que conclusões sejam apresentadas, mas a possibilidade da migração ter um peso importante na explicação do crescimento populacional deve ser considerada.

Assim como a dinâmica populacional é heterogênea entre as grandes regiões e entre estados, o mesmo se observa no interior de cada UF. Essa dinâmica varia ao longo dos anos, de maneira que municípios que cresciam em ritmo intenso passam a apresentar estabilidade e vice-versa, e outros que registravam crescimento positivo, começam a perder população. Este fenômeno de perda de população entre 2010 e 2022 foi observado em quatro capitais do Nordeste: Salvador – BA (-0,84% a.a.), Recife – PE (-0,27% a.a.), Fortaleza -CE (-0,11% a.a.) e Natal- RN (-0,56% a.a.). Ao mesmo tempo que essas capitais tiveram crescimento negativo, cidades das respectivas Regiões Metropolitanas apresentaram crescimento importante. Assim foi em municípios do entorno de Salvador, como Camaçari (1,76% a.a.) e Lauro de Freitas (1,84% a.a.); de Recife, em Paulista (1,09% a.a.) e Ipojuca (1,72% a.a.); de Fortaleza, em Caucaia (0,89% a.a.), Maracanaú (0,96% a.a.) e Eusébio (4,06% a.a.); e de Natal, em São Gonçalo do Amarante (1,84%.a.a.) e Macaíba (1,45% a.a.).

Chamado de inversão espacial do crescimento demográfico, esse tipo de redistribuição da população já vinha acontecendo em outros espaços, como nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e de Belo Horizonte, conduzida, principalmente, pela dinâmica do mercado imobiliário e das atividades industriais e de serviço. Em boa parte desses espaços, pessoas migram para municípios periféricos às capitais motivadas pela relação de custo/benefício da habitação, e passam a realizar movimentos pendulares em direção à capital, ou outros municípios da RM, para trabalhar e/ou estudar. João Pessoa, na Paraíba, seguiu tendência contrária, concentrando população entre 2010 e 2022, com crescimento anual de 1,19%, o mesmo acontecendo com a maioria dos municípios de seu entorno, como Santa Rita (1,35% a.a.), Conde (2,14% a.a.) e Cabedelo (1,16%). Este fato também foi observado em outros municípios do interior, a exemplo de Campina Grande, cidade média da Paraíba, que cresceu acima da média nacional (0,72). Em Pernambuco, os dois maiores municípios do interior, com população acima de 300 mil pessoas, cresceram a taxas mais elevadas: Petrolina, a 2,31% a.a. e Caruaru, a 1,51% a.a. Esta última cidade é o centro de um aglomerado de produção e comércio de vestuários e acessórios, o qual tem sido responsável por crescimento populacional intenso em alguns municípios do entorno, como Santa Cruz do Capibaribe (0,96% a.a.) e Toritama (1,22% a.a.), mas esse ritmo reflete uma redução importante, pois estes municípios cresciam com taxas próximas de 5% ao ano na década anterior.

A atração das regiões metropolitanas permanece forte quando observadas no seu conjunto de municípios. Já era visível nos Censos Demográficos anteriores que as sedes das metrópoles cresciam a um ritmo menor do que os municípios do se entorno. O que o Censo 2022 revela e pode ter causado alguma surpresa é que atingimos um ponto onde algumas sedes metropolitanas passaram a perder população. Mas é importante lembrar que, se o ritmo de crescimento populacional nacional está muito próximo de zero, ou seja, de estabilidade no crescimento, podemos antecipar com algum grau de certeza que o futuro Censo em 2030 deverá apresentar decrescimento populacional em diversas dessas localidades.

Cerca de 43% dos municípios brasileiros apresentaram crescimento negativo entre 2010 e 2022, portanto, é uma tendência generalizada no país e não uma exclusividade de capitais ou sedes de regiões metropolitanas. Mas nada disso é uma grande surpresa para quem estuda os dados populacionais há algum tempo, pois essas mudanças eram esperadas. A dúvida era exatamente quando esses dados iriam se confirmar. A despeito das inúmeras dificuldades que o Censo Demográfico 2022 passou para sua operacionalização, o que os resultados mostram é um processo consistente e que já está anunciado desde os anos 1970, quando as taxas de fecundidade da população brasileira começar a declinar rapidamente. E que, no início dos anos 2000, já estavam abaixo da taxa mínima de reposição da população. Talvez agora, com esses dados do Censo 2022, a sociedade perceba que as tendências do crescimento populacional mudaram e que políticas públicas precisam refletir essas mudanças urgentemente.

Mas, para fazer uma análise mais precisa, seria necessário examinar uma variedade de outros dados demográficos, econômicos e sociais que ainda serão divulgados nos próximos meses pelo IBGE. Estes poderiam incluir dados sobre migração interna e internacional, taxas de natalidade e mortalidade, mudanças na economia e no mercado de trabalho, efeitos de políticas governamentais, e outros fatores. A principal e mais importante conclusão que podemos ter até aqui é que o IBGE é uma instituição fundamental para o Brasil e o Censo Demográfico ainda é uma pesquisa imprescindível para entender as mudanças que ocorreram e planejar o futuro que precisamos.

Autores:

Wilson Fusco – docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Demografia (UFRN) e Diretor de Pesquisas da Fundação Joaquim Nabuco

Ricardo Ojima – docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Demografia (UFRN)

Nota Técnica FUNDAJ-DIPES 02.2023 “Censo Demográfico 2022: reflexões iniciais sobre a região Nordeste”

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